domingo, 4 de março de 2012

Beef effing Wellington ou uma declaração de amor

A televisão contemporânea está cheia de programas de culinária e gastronomia. Entraram-nos pela casa dentro uma série de chefs completamente desconhecidos e que hoje em dia são quase íntimos. Cá em casa adoptámos um. Bruto, de linguajar impróprio, maneiras ríspidas e uma irresistível pronúncia britânica, Gordon Ramsay passou a ser o nosso chef de estimação. E isto porque, acredito, em cada um de nós há um Gordon Ramsay oculto, mais brando mas ainda assim impetuoso e quando não existe oculto desejamos ardentemente tê-lo e poder soltar uns impropérios sem mais consequências. Ninguém é assim, eu sei, mas há dias, alturas, momentos em que ficaria tão mais leve, assim pudesse libertar este vapores de fúria que se acumulam nos pulmões. Ou nas ancas talvez, o que explica muita coisa e me alivia a consciência. É fúria afinal. Posso comer mais uns biscoitos ou devassar-me num crumble ou num tiramisú. Das gritarias desalmadas do Hell’s Kitchen uma grande parte desenrolava-se em torno do Beef Wellington que, diga-se de passagem, nunca me suscitou grande interesse, mas um dia, há sempre um dia, comecei a nutrir uma certa curiosidade pelo naco de carne embrulhado numa camada generosa de massa folhada. O que faria desesperar e gritar tanta gente? Que raio se esconderia entra a crosta folhada e carne tão rosada? E era motivo para tanta quezília? Era. A gota de água foi quando me acusaram de não fazer Beef Wellington num misto de queixume e súplica e quando na procura da receita me cruzei com este clip. Parece tão fácil.
 E foi hoje então. Os preparativos começaram no dia anterior logo com a escolha do naco de carne. Além de ter de ser suculento tinha de ser redondo, se não nada feito, para desespero do rapaz do talho. Nada como uma escolha criteriosa, qualidade e aspecto. No fundo não é assim em quase tudo na vida? Depois os cogumelos, uma trabalheira para os encontrar e por último foi esperar e deitar mãos à obra. Com calma e de alma descansada. O sol da manhã iluminava-me a cozinha e quase conseguia ver a tarja de mar lá ao fundo, minha companheira inseparável de todas as incursões no mundo de palatos e aromas. E depois foi partilhá-lo entre a expectativa e a surpresa, um copo de vinho frutado para contrastar a intensidade dos cogumelos e as réstias de sol que completaram mais este ágape da intimidade. Delicioso. Suculento. Divinal. Há muitas formas de declarar o amor. Esta é uma delas. Provavelmente a que faço melhor.

Ingredientes
1kg de carne de vaca para assar
250 g de cogumelos de Portobello
1 pacote de presunto fatiado
1 embalagem de massa folhada refrigerada
Sal, pimenta preta acabada de moer, tomilho
Azeite e margarina com alho.
Vinho branco
 Mostarda

Preparação 
Envolver a carne em sal e pimenta preta acabada de moer e selá-la numa frigideira com azeite bem quente durante cerca de 20 minutos. Retirar do lume e deixar arrefecer no frigorífico enquanto se preparam os cogumelos. Depois de lavados e escorridos, triturar num robot de cozinha. Levar ao lume num frigideira com azeite e uma noz generosa de margarina com alho. Deixar sumir por completo a água, temperar com sal, pimenta preta e tomilho. Deitar vinho branco e deixar cozinhar até o vinho sumir por completo. Deixar arrefecer. Retirar a carne do frio e pincelar bem com mostarda. Na bancada da cozinha estender duas folhas de película aderente. Colocar as fatias de presunto, por cima a mistura de cogumelos e em cima a carne. Enrolar a carne e fechá-la bem na película aderente. Levar ao frigorífico 20 minutos. Estender a massa folhada, pincelá-la com o ovo batido nas extremidades e enrolar a carne. Colocar numa travessa untada e levar ao frio mais cinco minutos. Retirar, pincelar com o restante ovo e fazer uns traços com uma faca na longitudinal mas sem cortar a massa. Levar ao forno pré-aquecido a 200º entre vinte e trinta minutos, dependendo do gosto.


Receita adaptada daqui

Sunday lunch



 
Ai a indulgência. A receita seguirá de momentos.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Fajitas chez moi

Advento do fim-de-semana a sexta-feira é por excelência dia de calma anunciada e dia em que me começa a apetecer fazer coisas diferentes. Comecei a maturar a ideia logo de manhã, enquanto finalizava uns afazeres profissionais e, como sempre, o resultado acabou por ser diferente. Primeiro pensei em deitar-lhe uns cogumelos, depois cogumelos e castanhas e por último batatas salteadas e castanhas. Acontece que não tinha cogumelos em casa e hoje estava sem paciência para supermercados, acontece que cheguei tarde a casa e sem paciência para as castanhas, acontece ainda que era jantar e as castanhas não são as mais pacíficas criaturas no que respeita a digestões. Acontece pois que da formação original, assim como se fosse uma banda que se foi desmembrando ao longo dos tempos, restou apenas a carne. De porco.  
Não me lembro nunca de ter comido fajitas de porco, tenho mesmo a certeza de nunca o ter feito e sei também que nunca me cruzei com nenhuma receita, mas o que sei é que tinha cá em casa umas febras de porco bem suculentas compradas no talho aqui da aldeia e que não me apeteciam bifanas fritas ou panadas. Também sei que as fajitas requerem tempo para o tempero se abraçar à carne num lento passo de tango enlaçando ingredientes como se um só fossem, mas não, não tinha tempo para isso, não o suficiente. Teria de optar por um abraço menos longo, mais fugaz. Quantos não demos, assim fugazes, mas mantendo a intensidade? E bons, quentes e envolventes? Isso mesmo. Fajitas seriam.

Fajitas de porco

Comecei por cortar as bifanas em tiras não muito finas. Juntei-lhes uma cebola em rodelas, temperei com sal, alho e pimenta preta moída na hora. Depois azeite, sumo de um limão e umas pitadas generosas de tomilho. Envolvi cuidadosamente com um grafo de madeira, valham-nos os deuses e a asae por este pecado. As batatas então. Cozi batatas pequenas com a pele. Cortei-as em pedaços. Voltemos à carne. Aqueci muito bem uma frigideira e deitei-lhes a carne e a cebola. Deixei frigir com o lume alto e supervisão constante. Ao mesmo tempo comecei a saltear as batatas em azeite. A meio do processo, juntei-lhes alho. No fim faltava o toque de cor com salsa picada e o toque inquieto do vinagre. Como as batatas salteadas da minha infância, eliminadas liminarmente do meu prato sempre que a minha mãe as preparava e que aprendi a gostar em adulta. Fácil e delicioso. Só me faltou um copo de vinho tinto para miscijenar ainda mais os sabores. Se são fajitas ou não é uma outra questão.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Temperos de letras (1)

Hoje em dia, comer bem significa comer mal e quanto mais caro, melhor. Você se certifica disso toda vez que se deixa tapear por mais um restaurante que acabou de abrir na sua cidade e que ficou na moda. Depois de sobreviver a um baita engarrafamento para chegar e a 45 minutos de fila de espera no bar do dito, você se vê finalmente sentado diante do prato. Neste, que acabou de sair pelando do microondas, a comida lembra uma delicada instalação minimalista, com um design irresistível e cores dignas de Natalie Kalmus, a dona do Technicolor. É um arranjo tão bonito que dá pena destroçá-lo com garfo e faca e transformá-lo naquela mixórdia a que todos os pratos, de Paul Bocuse ao prato feito, estão condenados depois que você manda brasa. 
Bem, além das cores e do design indisfarçavelmente novo-rico, o que esse prato tem a oferecer em troca do sacrifício? Um bifinho muito do mixuruca ou um insosso peixinho, uma massa quase sempre medíocre ou uma micro-porção de arroz “selvagem” e – aí está o segredo – belas firulas na louça com o molho de cassis e três talinhos de nirá circundando os quase invisíveis ingredientes. Quinze minutos depois, você está raspando sofregamente o fundo com o último pedaço de pão e pensando em pedir uma feijoada para rebater.

Ruy Castro & Heloísa Seixas,"Viagens ao redor do estômago", Terramarear.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O dia de todas as indecisões

Acordei cedo com uma sensação estranha. O corpo meio mole mas sem sono. Deixei-me deambular sem grandes planos excepto um compromisso à tarde que me impossibilitaria um outro. E agora, a qual vou? Esta indecisão usurpou-me a alma e fez-me balançante, incapaz de tomar decisões, de resolver até as pequenas coisas, dia fora. Ainda de manhã, olhei para o relógio várias vezes, cronometrando se teria tempo de ir à frutaria, aqui mesmo em cima, para fazer a tarte proposta esta semana no Dorie às sextas. Teria? Não teria? E depois a dúvida ainda mais penosa. Faço? Não faço? E ainda: vou fazer uma caminhada? Não vou? Se a este ponto já estão cansados de me ouvir, imaginem a minha saturação desta mulher meio frouxa que raramente me visita. Não gosto dela. Esta indecisão prendia-se como uma outra decisão: fazer dieta. Nada de muito austero, neste momento não suporto mais austeridade, começo até a odiar a palavra, mas um regime mais frugal e equilibrado, sem biscoitos e outras iguarias que me têm desgraçado, só vai contribuir para que não perca o fôlego e me sinta melhor. No meio da indecisão, e depois de ter ido fazer a dita caminhada aqui pelo campo, entre pinhais e limoeiros, decidi que sim, que participaria, a publicação de fotografias apetitosas aguçou-me o apetite e a curiosidade, e deitei mãos à obra. Compradas as maçãs e com a rodela de massa folhada no frigorifico, a consciência um pouco mais leve de me ter ido livrar de calorias por esse mato fora, iniciei esse processo alquímico e profundamente intuitivo de cozinhar. Quem gosta de cozinhar sabe como é. A proposta era uma tarte de maçã, mas não qualquer tarte, uma Tarte Tatin que requer calma e temperança, mesmo sem ser muito trabalhosa. O fim de tarde pôs-se ameno e foi bordejado por um momento doce em excelente companhia e uma chávena de Earl Grey fumegante. Boa decisão afinal.

Ingredientes:
120 g de açúcar
50 g de margarina
6 maçãs Gala
1 embalagem de massa folhada refrigerada

Preparação:
Numa frigideira derreter a margarina. Depois de derretida, juntar o açúcar e continuar no lume. Juntar as maçãs cortadas em oitavos com a parte convexa para baixo e deixá-las caramelizar com calma mas sempre sob supervisão. Quando estão suficientemente douradas, não deixei caramelizar muito, borrifar com Moscatel. Tirar do lume. Aconchegar as maçãs com a massa folhada e levar ao forno pré-aquecido a 190º cerca de 20 minutos. Assim que estiver pronta virar para um prato de forma determinada e sem hesitações. Por esta hora já me tinha passado a indecisão e correu muito bem.
Esta tarte pode ser feita com outra fruta e aromas mais criativos. Hoje o dia não me permitiu grandes variações mas assim mesmo ficou deliciosa. Menos é mais. Hoje pelo menos.


sábado, 11 de fevereiro de 2012

Como na vida


Que tudo fosse tão fácil. Que tudo fosse tão fácil como cozinhar, fazer bolos e biscoitos. Nesta minha participação no Dorie às Sextas tem havido algo que me ocupa mais tempo do que a confecção das receitas propostas. Não que não me aplique mas quando chega a altura de tirar as fotografias para postar começam as dificuldades. Subo as escadas, abro o armário e, depois de uma espreitadela,  escolho uma toalha. Depois vou tentando. Mudo os biscoitos, mudo os adereços, provavelmente a toalha, dou uma volta aos bolos, acrescento chávenas, ora de chá ora de café, ponho uma colher, tiro a colher, parto os biscoitos ao meio para lhe dar uma ar mais verosímil, como se alguém os tivesse partilhado mas nunca nada fica exactamente como gostaria e nunca se sente na plenitude como ficaram. Desta vez, por exemplo, esperei um dia pela luz da manhã e apliquei-me. O resultado foi o que vêem. 
A proposta desta semana eram uns deliciosos biscoitos de granola. Ora como se sabe, tenho a mania das invenções e, portanto, quando a receita foi divulgada tratei logo de fazer alterações. Primeiro foi a dita granola, cá em casa mais conhecida por müsli. Não tendo conseguido encontrar sem frutos decidi que utilizaria apenas flocos de aveia e flocos tostados de trigo, ambos encontrados na secção de produtos naturais do supermercado e um dos meus poisos nos últimos tempos. E depois a fruta. Excluí liminarmente as passas e optei por damascos picados em pedaços. E como nem tudo são rosas neste templo alquímico de criar fórmulas de prazer e resultados de deleite, a massa saiu-me uma amálgama informe, difícil de arrumar em pequenas circunferências e que me deixou na dúvida durante aqueles quinze minutos de forno. Uma vez cá fora espreitei-os desconfiada e passados dez minutos dissiparam-se-me as dúvidas com um belo cafezinho em mais uma gloriosa manhã de sol: deliciosos, crocantes, doces na medida certa, animadores como o amendoim e levemente ácidos do damasco tímido lá pelo meio. Assim um bocadinho como se quer a vida: não demasiado doce para que não enjoe, suficientemente animadora para que possamos sorrir e com uma acidez esporádica para que o doce se torne mais doce quando regressa. Nada que se sinta nas fotografias, como vêem. Eu não disse que era um fracasso?

Biscoitos crocantes de amendoim e damasco

Ingredientes
1 ½ chávena de flocos de aveia integrais
1 ½ chávena de flocos de trigo tostados
1/3 de chávena de gérmen de trigo
1 chávena de amendoins salgados picados grosseiramente
1 chávena de damascos secos picados
1 chávena de farinha
1 chávena de açúcar amarelo
200g de margarina
1 ovo

Preparação
Pré-aquecer o forno a 190º.
Juntar os flocos de aveia, de trigo, o gérmen de trigo e os amendoins picados numa tigela e reservar.
Bater o açúcar com a margarina até ficar cremoso. Juntar o ovo e bater mais. Deitar a farinha e bater o suficiente para que fique uniforme mas não muito. Incorporar os damascos e envolver com uma espátula de silicone. Por último incorporar a mistura de ingredientes sólidos. Moldar pequenas bolas de massa e achatá-las um pouco. Levar ao forno pré-aquecido quinze a dezoito minutos. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Prazeres simples


Um destes dias num périplo de supermercado dei por mim em frente à estante de pudins instantâneos. O que poderia ser um acaso sem sentido -quantas mas quantas estantes de produtos existem por esses supermercados fora?- levou-me de braço dado a um passeio ao passado, território que me tem assolado nos últimos tempos. Cutuca-me no braço a fazer-se notar, um lembrete de quanto fui e do que restou e se metamorfoseou no que sou. Os olhos atraídos ao de caramelo, o meu preferido de sempre, relembraram-me do sabor tão mas tão simples, nada elaborado e com zero de sofisticação. Bastava juntar leite e esperar. E as esperas eram quase sempre longas e ansiadas. Embalada na infância tranquila, regressaram todos os sabores tão pouco complexos, sem gourmandise ou ingredientes sofisticados. Açúcar, farinha, ovos e tínhamos um bolo. Arroz e frango e surgiria o mais opíparo arroz de frango que em casa dos meus pais era borrifado com caril para rematar e onde era dada liberdade a cada um para a intensificação deste toque de exotismo. Leite, açúcar e ovos e eis que a casa se inundava com o aroma do açúcar queimado no mais ancestral leite-creme. Tudo tão simples e tão bom. E terá sido à procura dos sabores longínquos, o regresso ao território perdido de vidas tão ausentes de sofisticação balofa que me deu a vontade de sabores simples de técnicas caracterizadas pelo zelo de um tempo de vagares. E apareceram então os biscoitos que me acompanham neste momento com uma chávena de chai bem quente. Às vezes gosto de prazeres simples. Nada mais simples que uma chávena de chá e biscoitos. Nada mais reconfortante.

Biscoitos de trigo e laranja
1 ¾ chávenas de farinha de trigo
1 chávena de gérmen de trigo
½ chávena de açúcar
 ½ chávena de mel
Raspa de uma laranja grande ou de duas pequenas
1 colher de chá de fermento
½ colher de chá de sal
160 g de margarina
1 ovo grande

Misturar os ingredientes sólidos. Juntar a raspa de laranja ao açúcar e misturá-los. Bater o açúcar com a margarina meio derretida até ficar cremoso. Juntar depois o mel. Bater uns dois minutos e adicionar por fim o ovo. Envolver os ingredientes sólidos em duas vezes e levar ao firgorífico a refrigerar durante pelo menos duas horas. Com uma colher deitar bolinhas de massa no gérmen de trigo que sobrou e enrolá-las. Colocar no tabuleiro e achatar com a mão. Levar a forno pré-aquecido a 190º 18 a 20 minutos. 

Receita inspirada aqui.

domingo, 29 de janeiro de 2012

O triunfo da teimosia


Não sou por natureza muito teimosa. Se alguém me mostrar que tem razão, se eu própria vir que o caminho apontado é plausível, lógico e melhor do que aquele que eu tinha primeiro escolhido, cedo rapidamente. Na verdade nem se trata de uma cedência, trata-se apenas de reconhecer uma evidência. Continuo feliz na mesma, sem beliscadela no ego e sigo em frente. Desta vez não fiquei convencida com a minha receita para o Dorie às Sextas e resolvi insistir e fazer aquilo que faço melhor na cozinha e que de resto já tinha pensado anteriormente: inventar. E teimar. Hão-de sair-me bem. Vão sair bem. E hoje é Domingo, dia calmo e de sol, e de Janeiro já só vejo umas sombras, dia bom, portanto, dia óptimo para pôr em prática a minha primeira intenção e arriscar. E deito mãos à massa, com o sol a entrar-me na cozinha e a preguiça espalhada pela sala. Se ficaram bons? Deliciosos, modéstia à parte. Muito melhores do que a versão doce. Com azeitonas devem ficar muito bem também e até já me passou pela cabeça fazê-los com atum e orégãos. São ideais como entrada e alternativa aos já gastos rissóis e croquetes. Valeu a pena teimar. Desta vez valeu a pena. Espero não lhe ter apanhado o gosto.



Receita:
1 ½ chávena de farinha de trigo
½ chávena de farinha de milho
2 colheres de chá generosas de fermento
¼ de colher de chá de bicarbonato de sódio
Sal refinado
1 chávena mal cheia de buttermilk
5 colheres de sopa de azeite
1 ovo
130 g de bacon
Pimenta preta moída na hora
Orégãos

Preparação
Exactamente como aqui. No fim acrescentar os pedacinhos de bacon e os orégãos. A pimenta preta foi adicionada nos ingredientes sólidos aquando do sal e fui generosa.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

De muffins a queques


Nada como fazer planos para saírem todos gorados. Quando esta receita foi proposta no Dorie às sextas, e depois de dar duas ou três voltas à cabeça, decidi que iria fazer a versão salgada. Eliminaria o açúcar, incluiria pedacinhos de bacon em vez do milho e salpicaria com pimenta preta e orégãos. Ora acontece que deixei tudo para esta sexta-feira de manhã, serviriam de entrada ao almoço tranquilo de boas-vindas ao fim-de-semana, mas obrigações profissionais mantiveram-me ocupada sem mais tempo. Sem tempo e calma para estes momentos de evasão de que tanto gosto e preciso.
Excluída esta hipótese e sem vontade para adiamentos decidi fazê-los para o lanche e eliminar a versão salgada. Acabei por fazer afinal uns belos queques para esta tarde tão agradável de Janeiro. De muffins nem rastos mas surgiram-me duas versões de queques: uma simples e outra com canela e müsli. E depois foi pôr a mesa, fazer um chá bem quente e esperar a minha mãe para uma conversa animada de sexta-feira à tarde e o veredicto final. Ficaram bons mas nada de perder a cabeça nem que eu tenha ficado com muita vontade de repetir. Ficam muito bem num lanche com uma chávena de chá e são fáceis de rápidos de fazer.  Cozinhar é muitas vezes um acto de amor e de partilha, a forma de expressão que tanto uso em vez de palavras e também por isso valeram mais uma vez a pena.


Receita

1 chávena de farinha de trigo
1chávena de farinha de milho
2 colheres e meia de chá de fermento em pó
1/4 de colher de chá de bicarbonato de sódio
8 colheres de sopa de açúcar
3 colheres de sopa de óleo
3 colheres de sopa de margarina derretida mas fria
1 ovo grande e uma gema
1 chávena de buttermilk

Preparação

Primeiro preparei o buttermilk. Uma chávena de leite e sumo de um limão pequeno. Esperei um quarto de hora e comecei com o resto. Juntar os ingredientes sólidos numa tigela. Juntar os líquidos e envolver com uma vara de arames. Incorporar nos ingredientes sólidos sem bater e levar ao forno uns quinze minutos em forno aquecido a 190º. Como só tinha oito formas fiz duas fornadas. Na massa que me sobrou juntei uma colher de chá de canela e uma chávena de müsli com frutas.


Actualização aqui. Muito mas muito melhores.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Intenso e apaixonado


Além da Mariana que me incluiu neste grupo, houve algo que me fez aderir de coração aberto. Lê-se assim nas regras do grupo “As receitas podem sofrer todas as alterações que o cozinheiro quiser. E encoraja-se a partilha dos casos de sucesso e de fracasso.” Cozinhar para mim é quase sempre transgredir, experimentar, e dar um cunho pessoal. Não que tenha em mim o heroísmo presunçoso de que eu vou além dos demais e erguer-me acima deles. Nada disso. Odeio, de resto, gente que profere que vai fazer a diferença seja em que área da vida for. Na minha, por exemplo, quando alguém se autoproclama agente de mudança é razão suficiente para que eu fique de pé atrás, soube-se-me a desconfiança que herdei de há tanto viver na região saloia e algo me retrai. A diferença faz-se, não se anuncia, é um caminho que se trilha e para mim os caminhos servem sempre propósitos de serviço ao próximo não de autopromoção. E isto tudo para dizer que não gosto de mudar para ser diferente, gosto de mudar porque gosto de alguma mudança, na vida também, e nas receitas a mudança é inevitável. Convenço-me que agriolhado a este corpo de mulher madura vive uma adolescente com a mania de contrariar e de transgredir. Na cozinha nota-se muito. Eu noto e eu sei.
A ideia era fazer este bolo de chocolate com ameixas e Armagnac. Armagnac não tinha e ameixas não são muito apreciadas por todos, portanto depois de dar voltas à cabeça e de o bolo ter assumido várias possibilidades como substituir as ameixas por tâmaras aos pedacinhos que era o que tinha cá em casa e em vez do Armagnac usar outra coisa ou pôr nozes e whisky, decidi-me por sabores que gosto muito de combinar: chocolate e laranja.
Levei-o há pouco para um almoço de família e esperei o veredicto. Ficou intenso e apaixonado, exactamente como gosto. Aconselhável a espíritos aventureiros e almas ousadas. O chocolate casa na perfeição com a laranja, a intuição não me falhou. Muito bom e recomenda-se, disseram-me, enquanto o bolo ia diminuído no prato entre risadas e conversa animada. A minha mesa é a minha comunhão. Às vezes acho que se me faltar a voz para declarar amores terei sempre a cozinha. Cada um fala como sabe e nem sempre me ocorrem e acorrem as palavras. Venha a próxima receita.


Bolo de chocolate com whisky e laranja

100g de chocolate culinário +100g de chocolate negro com laranja
150g de açúcar
100g de farinha
120g de manteiga
60ml de whisky
4 ovos

Deixei derreter os chocolates com a manteiga, enquanto fui metendo discretamente o nariz para sentir o aroma da laranja. Seria demasiado forte? Bati as gemas com o açúcar até ficar um creme branco e fofo. Depois há que envolver os chocolates na mistura de ovos e açúcar, com calma e sem pressas. A seguir a farinha e logo após o whisky. Bati então as claras em castelo e envolvi cuidadosamente na massa anterior com uma espátula de slicone. Levar ao forno pré-aquecido a 190º durante vinte e seis minutos.  Para a cobertura derreti 100 gr de chocolate com três colheres de sopa de açúcar e um pedacito de manteiga. Juntei depois meio pacote de natas light e derrubei com enlevo sobre o bolo. Tão fácil a vida numa manhã soalheira de Janeiro.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Biscoitos de chocolate

As preocupações fora de portas e nada mais há naqueles instantes É como se o mundo parasse. Momentos de puro prazer, deleite, escapismo. O mundo seria mais fácil se tudo se reduzisse ao prazer ancestral de matar fomes e desejos e tudo se pudesse resolver à mesa entre aromas e palatos saciados. Pela janela há um dia de Dezembro bem claro, o sol que brilhou pela manhã apaziguando o crepúsculo de algo que se não sabe muito bem o que é, o mundo como o conhecemos talvez, algumas seguranças e garantias colapsam como baralho de cartas sem que nada se possa fazer se não aguentar. A roda da fortuna que cumpre o seu destino. Aguentar dias, anos, de verborreia moralista de crime e castigo, pecados alheios que agora temos de pagar. Não quero saber. Não agora. Não hoje. Deixo amolecer 250 gramas de margarina enquanto deito 125 gramas de açúcar mascavado na velha taça azul que me acompanha há anos nestes momentos de descontracção. Lá fora entardece mansinho. Um cão que refila, o mesmo de todos os dias feriado e fins-de-semana e uma das gatas espreita-me pela porta da cozinha. Bato energicamente o açúcar e a margarina até ficar um creme fofo e junto-lhe 225 gramas de farinha. Dezembro é mês de cozinha, de colo e de regresso, a casa, a nós mesmos, ao fim para que o início regresse. Envolvo bem a farinha e junto-lhe 100 gramas de flocos de aveia. E depois vario. Não há receita nas minhas mãos que não seja acrescentada, mudada, experimentada com umas pitadas imprevistas ao sabor dos meus dias e vontades, imprevisíveis também. Meia tablete de chocolate culinário cortada grosseiramente, pedaços irregulares a quem vou sem critério cortando mais aparas pontiagudas para  envolver na massa. E esperar. Uma hora de frio. Uma hora de silêncios tranquilos, o bálsamo necessário deste Dezembro que me traz agastada. Bolachas tendidas com o carinho de quem alimenta e de quem ama. O amor também se alimenta da alquimia de aromas e metamorfoses. E depois há o perfume do forno quente e do chocolate espalhando-se pela casa. Entardece. Recolho-me num biscoito e um chá aromático. Se tudo pudesse reduzir-se a prazeres simples. Às vezes pode. Hoje pôde.



A receita dos biscoitos foi inspirada nesta. Um beijo à Cristina Nobre Soares a quem prometi experimentar as bolachas de aveia.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Risotto de coentros

Enquanto ajeito o molho de coentros trazido como contrapeso de um quilo de pêssegos e uma meloa sinto o aroma fresco do sul, uma contradição de dias quentes que me afagam sempre e me enchem a alma de alento para os dias sombrios. E o Norte a que cheira?
Rumo ao frigorífico e retiro sem enlevo a cebola congelada, a salvação de donas de casa atarefadas e contemporâneas pouco dedicadas a processos morosos de misturar sabores entre afazeres múltiplos, a casa que fica decididamente arrumada para dias que não vêm nunca. Derramo no tacho sobre a cebola um fio de azeite e meia folha de louro. Lá fora há um Verão por cumprir. Um vento frio que sopra no canavial e pela janela, pela mesma onde vejo passar barcos e navios, tarjas de cor diferente, ora prateadas em dias de Estio, ora cinzentas quando este emigra algures e outras um manto azul e intenso, há um chamamento para nele navegar, desconhece-se até onde. Volto ao fogão e mexo com calma a cebola lentamente em namoro com o azeite, um aroma leve que se liberta acompanhado de um frigir pequenino, um sussurro singelo. E o arroz então. Arbóreo de bagos voluptuosos.. E misturo. Meio copo bem medido. E mexo até ficar enlaçado na cebola e no azeite. Um copo de vinho branco frutado sem cerimónia nem o rigor de cozinhas espartanas. A minha cozinha é feita de momentos de libertação e transgressão, espelho inequívoco de quem sou. E envolvo até o vinho branco se sumir lentamente. O momento ideal para mais um copo de água bem quente, esse sim, deitado com carinho e calma enquanto os aromas se casam. O ritual repetido como o remanso dos Domingos de manhã. A tranquilidade de que faz parte abrir e fechar as portas às gatas, o ladrar sedento de festas do cão do vizinho, mesmo ali ao lado. E por fim o Verão. O cheiro inequívoco desse Sul que sou. O molho de coentros lavado em água corrente e abundante e cortado com a tesoura das ervas aromáticas para o tacho. E mexer. E rectificar.Mais coentros. Deixar que a generosidade cumpra o seu propósito de temperar, comida, almas, vidas. E sentir o aroma que se liberta, esse cheiro de gentes do Sul, de conquilhas comidas na esplanada com céu azul levemente em decadência do dia que adormece e as gaivotas que se fazem ouvir ao longe, de sopa de cação contra as searas de casas brancas bordejadas de azul forte. E o Norte a que cheira?

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Em cinco actos

Primeiro, leio as receitas com um respeito reverencial, perscruto-lhe as entrelinhas, releio, atenta ao pormenores, quantidades e modos de preparação e penso Hei-de fazer esta receita. Vou fazer esta receita. Estabeleço um calendário No fim-de-semana ou reformulo Sexta-feira ao jantar sujeito a nova reformulação ou Quinta ou calendarização Talvez Sábado.
Segundo, faço uma abordagem às artes gastronómicas num momento prévio de preparação, confiro os ingredientes na despensa e no frigorífico, elaboro uma lista de necessidades a satisfazer no périplo ao supermercado mais próximo e começo a magicar Aqui era capaz de não ficar mal uma pitada de orégãos ou Podia substituir o tomate ou Não vou pôr pimentos.
Terceiro, faço-me à vida e entro no supermercado, confirmo a lista de necessidades e, quando chego aos legumes, cruzo-me com a secção de cogumelos frescos, lanço um olhar de cobiça aos pleurotos. Mau grado a cor, levam-me aos míscaros da minha infância pela consistência e textura aparentemente carnuda. Reformulo mentalmente a receita, deixando para trás definitivamente os tomates e os pimentos e acrescentando-lhe os pleurotos É capaz de ficar bem. Rumo a casa.
Quarto, deito-me finalmente à fase alquímica da mescla de sabores, espreito o mar da janela da cozinha, olho-o sempre veneranda antes de me concentrar, a inspiração perfeita para que os sabores se liguem e amem, e começo finalmente, afastando pensamentos negativos ou estados de alma soturnos, não são compatíveis com manjares opíparos. Duas cebolas picadas, uma grande daria de igual forma, um dente de alho e um fio generoso de azeite, ou dois, o cozinheiro para o ser deve ser generoso nas porções e disciplinado no método. Ao som do frigir, corto a courgette em pedaços pequenos, as duas beringelas e vou-me finalmente aos pleurotos também cortados em pedaços sobre a tábua de madeira para os juntar ao refogado, entretanto condimentado com uma colher generosa de pasta de tomate e salpicados com rigor de orégãos e alecrim. Está a correr bem, penso. Na janela da cozinha deixo de contemplar o mar para ver a noite descer como um manto escuro pontilhado de estrelas, enquanto o perfume invade a cozinha. Numa ida breve ao frigorífico encontro mozzarella e ocorre-me a ideia de que talvez gratinado ficasse melhor Fica de certeza. Quinto, e ficou.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Leite-creme

Cruzo-me com a pá de queimar o leite-creme numa incursão fugaz à despensa. Conheço-a desde que me conheço a mim. Tem cabo de madeira carcomido pelas décadas e na ponta, a pá propriamente dita, a forma de paus do naipe de cartas em ferro também vetusto. Recolho-a e decido Vou fazer um leite-creme. Coloco-a ao lume no bico mais pequeno, a chama deve incidir cabalmente sobre a pá e a pá deve estar bem quente quando beijar o açúcar sobre o leite-creme. Desse beijo escaldante com o açúcar surgirá a camada torrada e crocante e desprender-se-á o aroma mais doce e perfumado que os beijos produzem. Recolho um tacho de ferro. Deito-lhe duas colheres de sopa de farinha de trigo, nunca farinha maizena, açúcar a gosto, umas seis ou oito colheres, oito desta vez, adiciono um pouco de leite apenas para ligar a farinha e o açúcar e, de seguida, junto cinco gemas de ovos, as claras reservadas para outras doçarias. Mexo com cuidado. Depois adiciono cuidadosamente o litro de leite condizente com as duas colheres de sopa de farinha. Levo a lume brando e deixo engrossar, mexendo sempre, com cuidado e enlevo. A textura espessando-se e a memória que embate com todos os leites-creme – estranho plural- da minha vida passada, mesmo antes de me ter sido dada a receita pela minha avó paterna, prolixa em manjares, contida em carinho, e neles estão anos e décadas, almoços de Natal e de Páscoa, dias comuns como o Domingo que se solta lá fora, momentos que não voltam, o meu pai que não volta. A pá aquece, entretanto. O açúcar granulado por cima do leite-creme, agora numa travessa, esperando o beijo ardente da pá, o aroma que se solta no primeiro contacto, o fumo perfumado que invade a cozinha. Hoje há leite-creme, Papá.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Os sonhos

E os sonhos de que são feitos? Penso nisso enquanto o dia se aconchega na noite e a tarja de mar prateado cintila lá longe pela janela da cozinha. Será Natal do outro lado do mar? Um tacho, claro, largo, como todos os tachos, preto e pesado, naturalmente. Um copo de leite, uma pitada de sal, uma colher bem cheia de manteiga. Manteiga, jamais margarina. Deixar ferver sob olhar vigilante. Os sonhos são caprichosos, qualquer desvio pode derrotá-los ainda meninos. Retirar do lume. Acrescentar a medida do leite em farinha. A tarja de mar desaparece-me no horizonte entretanto. Levar ao lume outra vez e envolver vigorosamente todos os ingredientes com uma colher de pau, enquanto o calor se encarrega de os ligar. Deitar para um recipiente largo e, quando começar a arrefecer, ir juntando ovos inteiros: um, dois, três, quatro, cinco, seis. Os ingredientes de que os sonhos são feitos devem abundar em quantidade e qualidade, é sabido. Escureceu de repente. Da janela da cozinha escuro apenas. Momento improvável para acalentar sonhos. Depois as mãos na massa, os sonhos que se querem sonhos querem-se batidos com o vigor da vida, amassados com as próprias mãos, já se sabe. Com perseverança, sem desistir, até chegarem ao ponto exacto, difícil de explicar na palidez do ecrã para que escrevo e na noite que ouço lá fora, silenciosa e soturna. Depois a fritura. Aquecer o óleo e ir deitando pequenas porções na fritadeira. O óleo nem muito quente nem muito frio, um dos segredos mais bem guardados. E eis que se avolumam e crescem. Os sonhos devem crescer, pois claro. Envolver com açúcar e uma quantidade muito generosa de canela. E assim são os sonhos, envolvidos com carinho, batidos com robustez e saboreados com a doçura do açúcar e o exotismo da canela. O aconchego possível para a noite imensa que se pôs lá fora.