quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Panquecas para efemérides de Janeiro


Terá começado numa quarta-feira que não a de ontem. Miudinho. Pela manhã fresca e cinzenta deste Janeiro final. Desconfiei. Agora? Ainda há esperança? Continuei observadora. Sentaram-se relativamente ordeiros. Abriram cadernos, escreveram o sumário e, pasme-se, lembraram-se de tirar dúvidas. Foram quarenta e cinco lindos maravilhosos inéditos e surpreendentes minutos de aula sem que, pela primeira vez neste ano lectivo, eu tivesse de levantar a voz, baixar a voz, abrir os olhos, ameaçar fazer, fazer, mudá-los de lugar e usar de todas as estratégias possíveis para por um ponto final naquele desassossego incompreensível. Esse dia ficará marcado no meu caderninho de efemérides com o dia um daquilo que é esperado ser uma sala de aula. Todos os anos os alunos são diferentes. Todos os anos há queixumes, mas estes, ai estes. Braços de ferro permanentes, palavras esgrimidas, a autoridade exibida sem qualquer cerimónia, e a certeza de que jamais desistiria e entregaria de mão beijada a minha dignidade e a minha autoridade. Hoje seguiu-se a confirmação. Sossegados para os padrões, de cadernos e lápis, mergulhados na ordem inversa e verbos de partícula separável. Talvez não tenha sido eu mas os mistérios quase insolúveis de uma língua que dizem áspera. Prefiro acreditar que sim, que a luta e persistência compensou. 
Consegui finalmente domar os pirralhos e marmanjos à minha frente, Janeiro finda e está sol. E apeteceu-me comemorar. Mesmo que panquecas sejam o que se come ao pequeno-almoço. 

Panquecas

Ingredientes
120 g de farinha com fermento
1 colher de chá de fermento
2 ovos
100 ml de leite
2 colheres de sopa de açúcar de confeiteiro

Preparação
Deite a farinha e o fermento numa tigela e abra uma cova no meio. Bata os ovos com uma vara de arames. Junte os ovos à farinha e, com a vara de arames, vá misturando energicamente do centro para fora. Junte o leite em duas vezes, misturando bem para não ficar com grumos. Juntar por fim o açúcar de confeiteiro. Deixar a massa descansar uns dez minutos.
Aqueça uma frigideira de fundo aderente. Junte um fio de óleo de girassol e com papel de cozinha unte a frigideira, retirando o excesso. Deite conchas pequenas do preparado, quando começar a fazer bolhinhas, vire. Sirva mornas com compota ou chocolate quente ou com o que a vontade do momento lhe ditar. Nada como dar largas à imaginação. Comi-as com doce de framboesa, iogurte grego em substituição de um clotted cream e uma chávena de Earl Grey. 


Receita inspirada aqui. 

domingo, 20 de janeiro de 2013

Receita para um Janeiro cinzento


A janela da cozinha é a minha companheira indefectível das incursões na cozinha. É nela que encontro os reflexos de mar prateado em fim de Verão, o azul intenso na alvorada da Primavera lá para Março, os ocasos barrocos de vermelhos intensos e é através dela que vejo barcos bem lá no fundo do horizonte, barcos julgo eu, porque afinal vislumbro apenas rectângulos que deslizam lentamente seguindo a linha que separa o mar do céu e julgo serem barcos, que mais poderiam ser. Da janela da cozinha vejo as estações do ano: a árvore que ora floresce ora se mostra despudoramente nua, os limoeiros frondosos não marcando época nenhuma e a tarja de mar que aumenta ou diminui, sabe deus e Copérnico o que se sofreu por esta descoberta, diz que se move, a Terra. A janela da minha cozinha diz-me que é Inverno. Não há mar lá no fundo, a árvore pequena de flor roxa ressentiu-se do temporal e à minha frente há uma tela cinzenta  e opaca de nevoeiros góticos pontilhada de pingos generosos de chuva cortada pela relva de verde intenso. A relva ao contrário de mim, gosta de Inverno e experimenta os seus melhores dias nestes momentos que desejo fugazes de invernia furiosa. A minha janela diz-me que é Janeiro e eu odeio Janeiro.

Bolinhos/biscuits/scones (riscar o que não interessa) de natas

Ingredientes:
2 medidas de farinha de trigo com fermento
2 colheres de sopa de açúcar
1 colher de sobremesa de fermento
1 pitada de sal refinado
1 1/4  medidas de natas

Preparação:
Pré-aquecer o forno a 200º. Numa tigela misturar os ingredientes secos. Abrir uma cova no meio e adicionar as natas. Com um garfo misturar as natas com os ingredientes secos até formar a massa. Se for necessário acrescentar mais natas cuidadosamente e envolver. Não bater a massa. Tender numa superfície com farinha e, com um cortador de biscoitos, cortar os bolinhos com cerca de 1 cm de altura. Levar ao forno cerca de 18 minutos.  Servir mornos.

Nada melhor para aliviar este Janeiro cinzento. 


Mais um desafio Dorie às Sextas, na página 23 do BakingAgradeço à Maria ter tentado esta receita. Os dela estavam tão lindos que não resisti.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Cheesecake de lima e uma fase na vida


Todos temos fases na vida e fases de vida. Estas minhas fases não são períodos de transformação exterior, não correspondem a mudanças de vida, não se podem balizar por acontecimentos extrínsecos casuais. Todas elas confluem num único factor: viajar. Passei pela fase cubana, desde Agosto último que ando na fase irlandesa, terei passado de forma mais breve pela fase cabo-verdiana também e sei que me esperará mais uma destas fases assim eu possa pegar em mim e dar uma volta fora de portas ou ter projecto para isso.
Estas fases caracterizam-se por manias que se acumulam mas todas elas se resumem a: um, viajar; dois, ler muitos autores das nacionalidades dos países eleitos; três, soar o alarme sempre que me surgem palavras escritas ou faladas desses mesmos locais; quatro, incessantes buscas online e quinto, ouvir música dos mesmos países quase obsessivamente. Esta última aplica-se com muita parcimónia à minha fase irlandesa mas cumpriu-se com uma disciplina reverenda na fase cubana.
A minha fase cubana terá sido a mais forte. Começou na passagem de ano em que voei pela primeira vez para a pérola das Caraíbas, cumpriu-se no dia em que sozinha vi  Buena Vista Social Club , e digo sozinha porque estava duplamente sozinha, desamparadamente só, estendeu-se até uns anos depois com uma semana em Havana e foi-se perpetuando na música que ouvia sem parar, livros e livros de autores cubanos que fui lendo avidamente e memórias daquela semana de Junho, mais intensa que a de Dezembro porque os sítios nunca são apenas os sítios, os sítios são o que nós somos naquele momento naqueles sítios e as pessoas que a nosso lado calcorreiam os mesmos trilhos. Regresso muitas vezes a Cuba. Regresso-lhe sempre que passo a mão pela hortelã que cresce desmedida, que a fragrância do rum Havana Club Añejo Blanco se solta de um mojito e sempre que da janela da alma ouço Ibrahim Ferrer a cantar 'Dos Gardenias' e ouço-o muitas vezes.
A minha fase mais duradoura não sei se se deixará epitetar por fase. Começou desde que me conheço, foi-me dada pelos hábitos gastronómicos da minha avó paterna, prolonga-se na deliciosa feijoada à brasileira pela mão exímia da minha mãe e todos os dias me lembro dela. É trunfa superlativa, as ancas largas e as coxas grossas. É o meu pai que me falta. É o António Carlos Jobim a cantarolar Olha que coisa mais linda, a Bethânia com o 'Reconvexo' e os olhos cristalinos de Chico Buarque passeando-se no Calçadão. São os livros que recebo por mão amiga e carinhosa daquele lado do mar. Imortalizou-se no dia de Março em que sobrevoei o Rio de Janeiro e renasce em todos os momentos em que solto a alma e em que a fragrância da lima se liberta. Cozinhar raramente é transformar ingredientes apenas. Viaja-se muito também. Encontramo-nos muito também.

Cheesecake de lima

Ingredientes
1 lata de leite condensado
2 pacotes de queijo-creme para barrar (usei Philadelphia)
1 iogurte grego natural sem ser açucarado
6 folhas de gelatina
Sumo e raspa de 3 limas médias + raspa para decorar

Base:
2 pacotes de bolacha de aveia
120 g de margarina

Preparação
Demolhar as folhas de gelatina em água fria e reservar. Para a base: amolecer a margarina. Numa picadora ou robot de cozinha picar as bolachas até ficar uma areia grossa. Juntar a margarina e misturar tudo muito bem. Deitar numa forma de mola e com os dedos criar uma camada uniforme. Reservar. Bater o leite condensado com a raspa das limas, o queijo creme e o iogurte. Derreter as folhas de gelatina em água a ferver (cerca de duas colheres de sopa), deixar arrefecer um pouco mexendo sempre, adicionar o sumo das limas e juntar ao preparado de leite condensado, queijo creme e iogurte. Deitar por cima da base de bolacha e polvilhar com raspa de lima a gosto. Levar ao frigorífico de um dia para o outro.
Para aumentar a receita, pôr mais um iogurte e mais uma folha de gelatina. 


Este cheesecake, além de me levar a viajar, está no meu top de doces preferidos. O contraste do sabor cítrico e perfumado da lima com a cremosidade da textura faz as minhas delícias. Gosto de diversidade. Exactamente como na vida.