quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Cobbler de pêssegos e um pedaço de saudade

Não me lembro nunca de me ter comprado um quilo de fruta, fosse qual fosse. Não me lembro de algum dia me ter oferecido algo que não fosse criteriosamente escolhido, preparado com antecedência e guardo no coração o último presente de Natal que ele escolheu, juntamente com a minha mãe. O meu pai era homem de datas. Jamais deixaria passar um aniversário em branco, um Natal, uma data comemorativa. Com um tempo de avanço chamava-me à parte, longe da presença da minha mãe, e relembrava-me que lhe comprasse um ‘atavio’. Era liminarmente contra electrodomésticos ou gadgets para casa como presentes. Contra batedeiras, máquinas de isto e de aquilo que servissem o propósito de amarrar a minha mãe a tarefas domésticas maçadoras. Queria sempre algo pessoal que ela  pudesse usar e que lhe desse prazer. Ainda hoje cumpro religiosamente este seu gosto e não há aniversário da minha mãe, Natal ou outra ocasião em que também em seu respeito não presenteie a minha mãe com algo pessoal.
Esta sua generosidade estendia-se a outras alturas. Alturas inesperadas em que se lembrava de nos presentear e agradar. Podiam ser coisas pequenas, diz-se por aí que ‘as melhores coisas da vida não são coisas’, e sei que o meu pai concordaria sem reservas e que me terá passado essa forma de vida. Um dos presentes que ele me ‘oferecia’ eram pêssegos. Sabia que eu gostava, adoro pêssegos, e sabia que tinha e ainda tenho o vício de comer com os olhos. Atravessava a estrada e, em tempo deles, escolhia com todo o carinho um ou dois pêssegos que me oferecia quando chegava a casa à hora do almoço. Lindos, grandes, perfumados, polpudos, estendia-mos, dizendo, ‘toma, escolhi para ti’. Nunca mais os pêssegos me souberam tão bem.

Cobbler de pêssegos

Para a cobertura
125 g de farinha com fermento
75 g de manteiga à temperatura ambiente
75 g de açúcar
60 ml de buttermilk
1 ovo
1 pitada de sal fino
Raspa de ½ limão

Pêssegos a gosto (terei usado uns quatro grandes)
3 colheres de sopa de açúcar.



Preparação
Pré-aquecer o forno a 180º. Untar com margarina um recipiente refractário.
Descascar e cortar os pêssegos em oitavos. Envolver com o açúcar e deitar no recipiente untado.
Misturar a farinha com o açúcar e a raspa de limão, juntar a manteiga cortada em cubos e amassar tudo, pode ser esfarelar com as mãos ou utilizar um amassador manual. Misturar o ovo e o buttermilk, bater com uma vara de arames e juntar à farinha e ao açúcar. Mexer muito bem até ficar homogéneo.
Com uma colher colocar colheradas desta massa por cima dos pêssegos e levar ao forno entre 30 e 40 minutos até que a cobertura fique dourada e cozinhada.


Pode substituir-se o buttermilk por leite. O buttermilk torna a massa mais leve e saborosa. A escolha da fruta fica ao critério de cada um.



sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Crumble de marmelos caramelizados e o elogio da imperfeição

Dos defeitos que me caracterizam um deles é ‘comer com os olhos’. Se for a uma banca de fruta ou de legumes, os olhos saltam-me sempre para os maiores, os mais lustrosos, os mais polpudos, os que saltam ao olhar. A única coisa que me demove de escolher sempre a fruta grande e lustrosa, a mais bonita, é o aroma. Penso a espaços que quem me vir às compras pensará que sou cão de duas patas porque farejo tudo. Sou incapaz de comprar fruta sem a cheirar, pelo menos a mais aromática e a cujo sabor se deixa adivinhar pelo aroma: pêssegos, maçãs, pêras, abacaxis e meloas têm de passar pelo teste do aroma. Se o aroma não acompanhar o aspecto atraente nada feito. Obviamente sou contra o desperdício, completamente contra, e contra a eugenia na fruta, compreendo muito bem este movimento e apoio, mas o aspecto, ai o aspecto. Nem é tanto ter uma mancha aqui e outra ali, é mais um ar enfezado e engelhado de quem teve melhores dias.
Cada vez mais compro fruta aqui na aldeia em vez daquela sensaborona do supermercado, não tem passado no teste do aroma, e recorro com frequência aos vendedores que aos fins-de-semana vendem os produtos das suas hortas. É neles que compro batatas e cebolas e tomates também. Nada pior do que tomate a saber a fénico e nada melhor do que tomate polpudo e adocicado, a saber a natureza e a sol, com cebola ‘verdadeira’ e manjericão do vaso que me decora a janela da cozinha.
Hoje fui à procura de marmelos. Não havia na primeira vendedora, indicou-me uma outra. Quando lá cheguei, vi uns marmelos, como as pessoas: uns pequenos e com sardas, uns mais gorduchos, uns com uns sinais, mas nenhum, nem unzinho, sem mácula. Como as pessoas. Dizia-me a vendedora que eram da safra dela, bons e docinhos, davam para assar, fazer marmelada, cozer. Dei-lhes uma volta, meti-lhes o nariz e trouxe um quilo e meio. Eram mesmo bons. Macios e aromáticos e o resultado foi melhor do que o esperado. Nunca se deve julgar um livro pela capa. Nunca se deve julgar a fruta pela cara. Estou quase convencida.

Crumble de marmelos caramelizados

Para a cobertura:
150 g de farinha
75 g de manteiga gelada cortada em cubos
3 colheres de sopa de açúcar mascavado
3 colheres de sopa de flocos de aveia
1/2 colher de chá de canela

6 marmelos (5 em pedaços e um ralado)
6 colheres de açúcar
Pimenta da Jamaica
Canela a gosto
Sumo de uma laranja
Vinho do Porto branco



Preparação
Pré-aquecer o forno a 200º
Para fazer a cobertura, juntar num recipiente a farinha, o açúcar e a canela. Adicionar a manteiga e misturar com as mãos, criando uma mistura semelhante a migalhas. Juntar por fim os flocos de aveia e reservar no frigorífico.
Descascar cinco marmelos e cortar em pedaços grosseiros não muito grandes. Ralar um marmelo.

Numa frigideira, deixar o açúcar em lume brando até começar a caramelizar. Adicionar o marmelo ralado e cozinhar 2 a 3 minutos. Juntar os restantes marmelos cortados em pedaços, canela a gosto, uma pitada de pimenta da Jamaica e o sumo de laranja. Envolver bem e deitar o Vinho do Porto. Deixar amolecer os marmelos e transferi-los para um recipiente refractário. Retirar a cobertura do frigorífico e espalhar por cima dos marmelos. Levar ao forno até ficar dourado. 


Este foi a minha escolha para mais um desafio do Dia Um... Na Cozinha. Gostei muito do resultado, tem o equilíbrio perfeito entre o doce do caramelo e a acidez dos marmelos. São servidos?



Receita inspirada no Apple Crumble do Ultimate Cookery Course do Gordon Ramsay.