Era Primavera. Quando o fui ver
não se deixou derrotar pela cama de hospital e declarando o amor eterno à
minha mãe ordenou-me que, apesar do caos e no meio do caos, lhe comprasse um
presente de aniversário. Seria dali a um ou dois dias. Ainda argumentei que poderíamos esperar pelas suas
melhoras, ficaríamos apenas por um bouquet de flores simbólico, a mamã
compreenderia. Não se deixou convencer e lá da cama rodeada de
aparelhómetros estranhos afirmou ‘enxoval que não vai com a noiva…’. Comprei o
presente de aniversário, celebrá-mo-lo tal como havia vaticinado e poucos dias depois ele deixaria aquele lugar e regressaria
à cama que foi sua durante um mês aproximado. Retomada a rotina e as refeições,
quando lhe perguntámos se tinha algum desejo especial foi peremptório: leite-creme.
No meio do caos fiz contas ao tempo que me sobrava entre trabalho intenso e
visitas diárias ao hospital sem que em momento algum me passasse pela cabeça
faltar ao desejo afirmativo do meu querido pai. Falha-me a memória e não
consigo já pensar se terei sido eu ou a minha mãe a fazê-lo, inclino-me mais
para a segunda hipótese, mas ainda o vejo à nossa frente: o meu pai sentado na
cama, renovado e cheio de vontade de sair dali e o seu leite-creme, cozinhado
com o amor incondicional que eu e a minha mãe lhe tínhamos.
Hoje foi dia de cemitérios. Dia
de visitar quem partiu. Fiquei em casa a dar Pão-por-Deus, angustiada com a
perspectiva de ser o último. Fiz um almoço acolhedor que partilhei com os que
mais amo nesta vida e sem os quais não concebo sequer a minha. A sobremesa foi
leite-creme. A minha maneira de homenagear o meu querido pai. Faltava à mesa, mas estará sempre connosco. E estava bom,
papá.
Ingredientes:
1 litro de leite
6 gemas de ovos pequenos
2 colheres de sopa bem cheias de
farinha de trigo
6 a 8 colheres de sopa de açúcar
Preparação:
Num tacho juntar a farinha e o
açúcar. Juntar um pouco de leite e depois as gemas de ovos. Mexer bem.
Adicionar o leite aos poucos, mexendo sempre a cada adição.
Levar a lume brando. Mexer sempre para não ganhar grumos. Deixar engrossar mas não deixar ferver.
Depois de ficar um creme uniforme e aveludado, deitar num recipiente. Deixar
arrefecer um pouco até ficar com uma camada solidificada na superfície.
Espalhar açúcar com uma colher e queimar. Usei um ferro antigo que já vem da
casa da minha avó mas pode ser feito com um maçarico de cozinha. Esta sobremesa
tão deliciosa quanto simples e autêntica deve ser feita com tempo e paciência. Não
se compadece com ritmos alucinantes de cozinheiras apressadas.
14 comentários:
Que lindo, Leonor.
Um abraço,
Ilídia
Obrigada, Ilídia.
Beijinhos :)
Lindo post, o meu também já partiu.
Adoro o leite creme assim queimado,o teu ficou uma delicia.
bjs
Obrigada, São.
Um beijinho especial.
Adoro leite creme, aliás o que eu adoro mesmo é a "casquinha" de caramelo do leite creme.
Como aquela que se vê na fotografia? ;-)
Também gosto do leite creme bem queimado.
Leonor,
Que lindo texto, fiquei emocionada!
Sempre estão connosco, ainda há pouco o afirmei!
Lindo o leite creme, uma foto que revela tudo...estava bem sim, de certeza!
Bjs
É verdade, Lenita, eles estão sempre connosco. Sempre.
Beijinhos :)
Linda homenagem Leonor, as lágrimas afloraram os meus olhos porque também o meu partiu há 6 anos, precisamente na madrugada deste dia... :'(
E como me faz falta... como...
Também esteve comigo hoje, tal como está todos os dias da minha vida...
O teu leite creme está lindo, o teu pai decerto que, onde quer que esteja, adorou !
Um beijinho
Fazem-nos sempre tanta falta :(
Um beijinho especial para ti neste dia tão cheio de significado.
eh eh adoro leite creme, mas curioso, prefiro com canela... assim queimado não aprecio muito. mas a foto ficou linda.
Beijinhos e boa sexta feira
Que engraçado, Ricardo, o que eu gosto mesmo no leite-creme é o caramelo que se mistura com o creme. Nunca comi com canela.
Beijinhos e bom fim-de-semana
As mulheres da minha familia paterna vagloriavam-se de fazer o melhor leite creme do mundo. E claro que nao era o melhor do mundo, mas que era bom, la isso era.
Aprendi com elas, sem bem q acho q nao me sai tao bem. Gosto dele cremoso e nao com a consitencia de pudim.
Quanto ao papa, Leonor, a dor e tao forte que apesar de atenuar com o tempo, nas ocasioes da lembranca, parece que nos rasga o peito. Como eu te percebo, minha querida.
Beijinhos e continua a acreditar que ele esta sempre la. Eu acredito que o meu esta e isso da-me forca para continuar.
Maria
Essa consistência de pudim deve-se a demasiada farinha. Quando arrefece fica assim. :)
A dor atenua com o tempo mas às vezes apanha-nos de surpresa.
Muitos muitos beijinhos, querida Maria.
Enviar um comentário