As palavras contam. Contam sempre
e contam muito, mesmo que digamos que uma fotografia vale mais que mil palavras
ou que o silêncio é de ouro. Nada contra e também é verdade, a vida nunca é a
preto e branco e há sempre várias versões para a mesma história. E agora chega
de frases feitas. Os portugueses ligam às palavras e gostam de alardear e apregoar
que são detentores da única palavra que não tem tradução. Acontece que eu tenho
muito orgulho da palavra ‘saudade’ mas não acho que seja a única sem equivalente
noutras línguas. Consigo encontrar em inglês uma ou outra cuja tradução fica
aquém do significado. Quem já pôs pé nas ilhas britânicas e na ilha esmeralda
terá sido invadido por uma panóplia de sensações contraditórias. Primeiro, a
certeza de que jamais seriam capazes de viver num lugar com a invernia a
assombrar-lhe os dias, o nevoeiro e a bruma como companheiros presentes e
diários, o frio a açoitar-lhes os corpos e o vento a sacudir-lhes os cabelos
como quem varre furiosamente as folhas de outono. A segunda, e muito falada, é
a ‘frieza’ dos povos ali acima de França. Diz que são pouco dados a contactos
amistosos, metem-se em casa como se fossem tocas e não vão em comboiadas, a menos
que sejam bem regadas e num ambiente de festança desvairada. O português é rapaz
a quem faz falta a ladainha da desgraça e para quem a pergunta/cumprimento
‘tudo bem?’ terá como resposta certa o desfilar de misérias, joanetes, bicos de
papagaio e maleitas diversas, um certo recolhimento na exibição das dores
privadas é encarado como sinal de frieza. ‘Lá em cima’ não querem saber de
joanetes e catarros. Ponto. E vinha isto a propósito do que não se traduz. Uma
das sensações contraditórias naquelas ilhas plantadas no meio do mar fustigadas
por vento e circundadas por mares alterados é contraposta por uma das minhas
sensações e sentimentos preferidos consubstanciados em Inglês pela palavra
‘cozy’. Alguém porventura terá encontrado um equivalente justo àquela sensação
de se entrar numa casa cuidada, aquecida e confortável onde tudo parece
cuidadosamente colocado e delicado, coroada por uma chávena de chá bem quente e
uns scones e uma fatia de bolo caseiro? Ou a sensação de lareira acesa, fogo a
crepitar mansinho e olhos brilhantes entretidos em palavras doces e momentos
tranquilos? E ainda assim faltam-me as descrições. É isto mas é mais. Por agora fiquemo-nos por uma fatia de bolo
caseiro feito com ingredientes a sério e uma chávena de chá perfumado.
Bolo de coco e limão
Ingredientes
2 chávenas de farinha
2 chávenas de açúcar
1 colher de chá de fermento
200 ml de leite de coco
50 g de margarina ou manteiga
4 ovos
2 colheres de sopa de whisky
(opcional)
¾ de chávena de coco ralado
Sumo de meio limão grande ou de
um pequeno
Raspa de um limão grande
Preparação
Pré-aquecer o forno a 190º.
Numa caçarola pequena levar o
leite de coco ao lume com o sumo de limão. Juntar a margarina e aquecer até a
margarina derreter. Tirar do lume e deixar arrefecer até ficar morno.
Juntar raspa de um limão ao
açúcar e mexer bem para libertar o aroma e o sabor. Bater os ovos com o açúcar cerca
de três minutos em velocidade média/alta até ficar uma mistura fofa e
esbranquiçada. Juntar o whisky, baixar a velocidade e adicionar a farinha com o
fermento e o coco ralado, mexendo sempre mas sem bater. Juntar o leite de coco com o sumo de
limão e a margarina, misturando apenas até estar tudo bem incorporado. Levar 55
a 60 minutos ao forno pré-aquecido. Verificar com um palito antes de retirar do
forno. Deixar arrefecer cerca de 10 minutos e desenformar.
Gostei muito deste bolo. É
despretensioso e simples e nenhum dos sabores se sobrepõe ao outro. Fica denso e húmido e
repeti-lo-ei em dias de Outono, quando me apetecem momentos ‘cozy’ à volta de
uma chávena de chá.
Aqui fica a minha participação na
festa da Maria. Espero que ela goste e que os filhos, a quem dedica o seu
blogue, também. Cozinhar é quase sempre um acto de amor. A Maria tem-no provado
todos os dias. Bem-hajas.
Esta receita foi mais uma vez inspirada no livro Baking da Dorie Greenspan.
Esta receita foi mais uma vez inspirada no livro Baking da Dorie Greenspan.
23 comentários:
belíssimo aspeto. Gostei do toque do whisky.
Beijinhos
Leonor, nao sei realmente o que prefiro no teu blog: se as receitas, se os textos introdutorios. Fico sempre deliciada a le-los. Acho que me estou a repetir,mas, mesmo assim, corro esse risco pois garanto-te:
uma chavena de cha fumegante, uma fatia deste bolo, a lenha na lareira a crepitar e o deleite da leitura dos teus textos e um genuino momento "cozy".
Obrigada pelo presente e pelo momento que me proporcionaste.
Beijo
Maria
Que bolo lindo :D Deve ter um gosto divinal :) Adoro bolos de limão.
Beijinhos :)
Se desejar de uma vista de olhos no meu blog http://alfazema-chocolate.blogspot.pt/
Concordo contigo. Por mais que tentemos, nenhuma palavra portuguesa evoca tantas coisas boas como "cozy". Sabes outra para a qual acho que não é fácil encontrar equivalente em português? "Naughty"! Ainda ontem andei a pensar nisso, pois ouvi o Nigel Slater chamar "naughty" a um prato. É um prazer ler-te e encontrar sempre coisas com as quais me identifico.
Adorei o bolo!
Beijos,
Ilídia
P.S: Não sei se reparaste, mas, naturalmente, comecei a tratar-te na segunda pessoa. Espero que não te importes :)
ALÉM DE LINDO TEM COCO COISA QUE ADORO.
ESSE COMBINA BEM COM UM CHÁ .
BJS
Obrigada, Ricardo :) A receita original é com rum, mas não tinha cá em casa, mas havia whisky, Porto e Moscatel. Optei por whisky por não ser doce.
Beijinhos
Eu é que agradeço as tuas palavras tão bonitas, Maria :)
Muitos beijinhos
Olá Fafie, bem-vinda :)
Também gosto muito de bolos com limão e com laranja. Tinha uns limões lindos cá em casa, 100% biológicos, que os meus vizinhos me ofereceram e aproveitei-os.
Beijinhos
PS. O blogue já está na minha barra lateral :)
Ilídia, a 2ª pessoa fica-nos mesmo bem :)))
Ontem também vi o Nigel Slater. tenho cá dois livros dele e acho-lhe piada. A língua inglesa é mais expressiva no que respeita a comida ou então é de tanto ver o 24Kitchen e o foodNetwork.
Beijinhos e obrigada :)
É, São, é mesmo bom para um chá. É um bolo simples sem artifícios para aqueles dias de simplicidade de que tanto gosto.
Beijinhos
Passo quase sempre em silêncio, mas passo. Gosto desta forma de escrever. Gostava que houvessem mais professoras assim. Obrigado por partilhar sempre textos tão agradáveis de ler.
Que comentário tão bonito! Fiquei tão sensibilizada. Eu é que agradeço.
Beijinhos :))
Os bolos mais simples são sem duvida os mais deliciosos, esse tem um optimo aspecto :)
Também gosto de simplicidade :)
Olá Leonor,
Ler textos assim é sempre um imenso prazer... consegui até imaginar o cenário descrito por palavras cuidadas proferidas por quem, vê-se, adora escrever...
O bolo é lindo, adquiriu uma tonalidade fabulosa, uma textura fantástica.
Decerto que fará a Maria muitissimo feliz !
Beijinho
Com um texto destes, bem que a receita que se segue poderia ser de bolacha maria!
Gostei muito :)
Eu venho da escrita para a culinária. Tenho outro blogue onde publiquei alguns dos primeiros textos deste blogue, mas achei que devia separar as águas e criei este.
Obrigada :)
Eheheheheheh
Obrigada, Vera :)
Este bolo da Dorie é fabuloso. Faço-o tantas vezes (acho que é um dos meus favoritos!), também com limão, mas com rum, experimenta :)
Lindo texto e lindo bolo para a Maria, que vai adorar tomar um chá com uma fatia dele.
Um beijinho.
É, não é, Ginja? Fiz com limão porque era o que tinha em casa mas com laranja também deve ficar bem. Pois, rum não havia por cá, tenho a certeza que fica melhor :)
Beijinhos e obrigada
Existe em neerlandês um adjetivo, gezellig, que traduz diretamente cozy em muitas frases (não em todas, claro, são raríssimos casos de uma palavra que traduza sempre, numa língua, outra palavra de outra língua...) e que os neerlandeses estão convencidos que é intraduzível - um mito nacional dos Países Baixos é a gezelligheid (http://en.wikipedia.org/wiki/Gezelligheid). Também existe em dinamarquês um adjetivo que traduz muitas vezes cozy, hyggelig. Também os dinamarqueses estão convencidos de que hygge, o nome correspondente a esse adjetivo, é um traço exclusivo da sua cultura... Tenho um post sobre estas questões (http://llindegaard.blogspot.dk/2008/01/a
lpondras-saudosismo-e-traduzibilidade.ht
ml)
Muitos cumprimentos,
Vítor
Olá Vítor, bem-vindo :)
Faz parte de cada cultura ter palavras que acham só suas, digo eu. Já conhecia essa dos holandeses mas curiosamente pelo que conheci (pouco) não lhes consigo atribuir o que eu acho que é cozy ou gezellig, o que levanta outra questão: a nossa interpretação de cada conceito. Os alemães também têm gemütlich, embora não seja exactamente a mesma coisa.
Beijinhos
Não consigo achar os povos das ilhas frios. Sinto-me sempre bem tratada. Acarinhada. Como se a cosiness que descreves lhes fosse inerente e contrária aos rigores do clima (que também não acho assim tão mau). Quanto ao bolo, deve ser delicioso. E a forma, um espectáculo!
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