Acalento a ideia de um dia ir a
Dublin passar um Bloomsday. Meros dias depois do meu aniversário, lá para Junho,
celebra-se a literatura. Pode haver coisa melhor para comemorar um aniversário?
Comemora-se o dia em que se desenrola Ulisses,
a obra-prima de James Joyce, diz que há gente pela rua a ler excertos da obra e
que é uma verdadeira festa. Acalento assim a ideia de começar o dia a pôr o
dente num rim frito que, como se sabe, sou rapariga temente e respeitadora no
que à literatura diz respeito e o que me falta em religiosidade sobra-me em
respeito venerando a entes vários desta arte que me colore os dias. O Bloomsday
é a festa da literatura por excelência. O que eu gostava de lá estar um dia.
Daria também um dia uma saltada a Edimburgo para celebrar a Burns’ Night bem no fim de Janeiro e acabar a noite a meter o dente num haggis, um
guisado de miúdos de cabrito, aconchegado como enchido e servido de formas
várias. Uma delícia, não se deixem desmoralizar pelos miúdos e o bucho. Ainda
hoje me sabem bem os que degustei em terras de kilts e gaitas de foles. Robert
Burns amarrou-o a este poema e acompanhado com uma ale num pub ruidoso nessa
tal Burns Night é ideia que me parece bem. E uns passeios a pé, castelo acima e
abaixo, bater perna nas ruelas íngremes ao entardecer quando o sol ilumina o castelo com o vento cortante a romper a barreira de cachecóis e luvas. E uns
pubs. Nada a fazer. A mulher do povo que há em mim odeia sítios presunçosos de
gente igualmente presunçosa atada de pés e mãos numa moralidade de pacotilha,
agarrada a pratos de fome gourmet e gosta de pubs. Muito. E de degustar. E de
bebericar. Acalento também a ideia de um dia ir passar o dia de St. Patrick a
Dublin.
Explicada que está esta ideia
peregrina do Bloomsday e da Burns Night, resta-me a explicação para o St.
Patrick’s Day. Acontece que não, não comemoro dia de festividade religiosa
nenhuma, estou cada vez menos católica de há décadas a esta parte, comecei a
celebrar o Natal com a festa da família, e na Páscoa revejo “A Vida de Brian”
como filme de época, um épico cá em casa, mas acho muita piada a esta festa de
rua com paradas e copos que celebra o santo católico que alegadamente terá
livrado a Irlanda das cobras. Diz que havia cobras na Irlanda. E leprechauns e potes de ouro no fim do
arco-íris. E chega de conversa fiada. Fica por saber se o que gosto é de celebrar
a literatura ou se de pôr pé daqui para fora, exactamente agora que me
rapinaram parte do ordenado e subsídios. Inclinar-me-ia pela segunda hipótese.
É sabido que os irlandeses não são exímios no que respeita a artes culinárias,
foi lá que bebi o pior café da minha vida, experiência tão traumática que
passado um quarto de século ainda me sabe mal e que a comida, ao contrário da
cerveja e do bom humor e simpatia dos irlandeses, pode ser maçadora e
sensaborona. Hoje é dia de St. Patrick e, por coincidência ou não, cá em casa o
jantar é Irish Stew. Começou a viagem. Estão convidados.
Irish Stew
Ingredientes
1kg de carne de vaca para guisar
1 chávena de caldo de carne
1 chávena de Guinness
1 chávena de vinho tinto
1 colher de sobremesa de molho inglês
(Worcestershire)
1 cebola
Batatas
Cenouras
Azeite
Margarina com alho
Alho picado
Tomilho
Sal
Pimenta preta acabada de moer
Preparação
Pré-aquecer o forno a 200º. Numa frigideira aquecer
um fio de azeite e uma noz de margarina com alho. Juntar a carne e selar.
Salpicar com pimenta preta acaba de moer e alho picado. Passar para um tacho de
barro que possa ir ao forno. Usei um tacho de barro saloio que comprei aqui na
aldeia. Cortar a cebola em rodelas finas e levar à frigideira onde se fritou a
carne. Quando a cebola amolecer um pouco, juntá-la à carne. Acrescentar a
chávena de Guinness, a de vinho tinto e de caldo de carne. Temperar com sal,
pimenta e acrescentar o tomilho. Levar ao forno cerca de uma hora a hora e meia
com o tacho tapado. Verificar a cozedura da carne e rectificar o tempero.
Após cerca de hora e meia de
cozedura acrescentar as batatas e as cenouras cortadas em pedaços. Usei batatas
pequenas para assar e corre sempre bem. Aguardar até que cozam, cerca de uma
hora, e servir. O molho fica líquido mas apurado. Dizem os especialistas que assim deve ser.
Este prato é um verdadeiro
conforto, inadequado para gente apressada, moroso, como convém em dias de calma e de recolhimento, e aconselhado para dias de invernia ou de alma fria. Nada a que os
irlandeses não estejam habituados e que nós não saibamos o que é. Agora vou ali
à procura do pote de ouro.
fotografias minhas de Dublin (James Joyce) e do Writers' Museum em Edimburgo.
3 comentários:
Leonor, comida sensaborona a deles, de facto, mas compensada em pleno pela maravilhosa cerveja Guinness.
Nada como uma Guinness, ao princípio de noite, num pub de uma qualquer ruela de Dublin.
O Iris Stew, nunca comi,mas parece-me bastante reconfortante.
Beijinhos,
Maria
É verdade, a comida é muito sensaborona, mas sou fã deste stew. Também pode ser do toque tuga do vinho tinto português.
Beijinhos
À Irlanda nunca fui, mas a Escócia é um dos meus sítios favoritos no mundo (do que dele conheço, pelo menos). Como os restaurantes fecham antes daquela que é a nossa hora de jantar, ficamos sempre confinados à comida de pub. E esta é comida de pub. Os stews, as pies, o haggis, as sopas com cevada... enfim, aquilo de bom que países quase sem cozinha podem oferecer. Adorei este stew com um toque à portuguesa e hei-de fazê-lo quando voltar a ter saudades das terras absurdamente verdes. Beijinho!!!
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