quarta-feira, 23 de abril de 2014

À procura da renovação numa pavlova de Irish Coffee

Estávamos sentados na esplanada com a alma ao sol quando encetámos conversa com uma amiga. Seria dali a uns dois dias a Páscoa, e a conversa caiu inevitavelmente no assunto. Para quem não é religioso a Páscoa diz muito pouco. Faltam peças na história contada do filho de Deus e acreditar que Deus tinha um filho pode parecer tão estranho como para outros o filho de Deus ter uma mulher. Na Páscoa da minha infância havia religião. O padre da aldeia que acarretava a imagem de Cristo casas afora, as Páscoas da Beira Alta com os ramos do Domingo dos ditos, as procissões do enterro do Senhor e outras particularidades. Na Páscoa da minha idade adulta não há nada disso. 
A conversa centrou-se no significado da Páscoa. Dizia a nossa amiga que a Páscoa para ela era renovação, Primavera. Pareceu-me bem. E passar de página, acrescento eu. E aqui estou à espera dela, da renovação, pode ser com ou sem Primavera e do passar de página. Que venha depressa.

Pavlova de Irish Coffee

Ingredientes
4 claras
225 g de açúcar
3 colheres de chá de café solúvel em pós (não em grânulos)
1 colher de chá de amido de milho
1 colher de chá de vinagre branco

2 pacotes de natas para bater (usei Longa Vida)
3 colheres de sopa de açúcar
3 colheres de sopa de whiskey irlandês (pus Jameson)
Chocolate negro em raspas (usei Lindt)



Preparação
Pré-aquecer o forno a 150º.
Misturar o açúcar com o café em pó. Bater as claras em castelo bem firme. Acrescentar o açúcar em pequenas porções e bater até ficar aveludado e brilhante. Deitar o amido de milho peneirado e envolver com uma espátula. Por fim, adicionar o vinagre. Num tabuleiro de forno e sobre uma folha de papel vegetal desenhar uma circunferência de 23 cm. Deitar a mistura das claras sobre a circunferência, formando uma coroa e levar ao forno durante uma hora. Desligar o forno e deixar arrefecer completamente. 
Bater as natas. Quando começarem a engrossar adicionar uma colher de açúcar de cada vez e por fim o whiskey. Deitar sobre a pavlova e decorar com raspas de chocolate negro. 



Mais uma vez trago uma receita de gente adulta e que homenageia uma país que é querido cá em casa, a Irlanda. Fui buscar a inspiração à Capuccino Pavlova da Nigella e deixei o resto ao sabor da imaginação. Uma evocação do melhor Irish Coffee que bebi, algures em Kenmare num Domingo distante. 


quarta-feira, 16 de abril de 2014

O equilíbrio numas espetadinhas de frango com harissa e abacaxi

Uma das tarefas mais difíceis nos dias que correm é atingir o equilíbrio. Na minha vida profissional confronto-me com frequência com a falta dele: miúdos mimados, pouco habituados a ouvir um não e que, como tal, mandam ou tentar mandar em quem lhes aparece à frente. Por outro lado, existem os que são obrigados a crescer mais depressa, às vezes ao abandono, com dificuldade, e que têm de assumir responsabilidades que não deviam ser suas. O equilíbrio contudo não se resume apenas a isto, o equilíbrio é fundamental noutras áreas, na cozinha é basilar e no nosso regime alimentar idem. Assim sendo, e depois do bolo que vos mostrei aí em baixo, equilibrado em termos de sabor mas uma desgraça no que toca às calorias, trago hoje o que precedeu o bolo no almoço de Domingo: espetadas de frango com harissa. Equilibradas em termos de sabor, entre o doce do abacaxi e o calor do picante, e o contraponto necessário à sobremesa. Tudo uma questão de equilíbrio. 

Espetadinhas de frango com harissa e abacaxi

Ingredientes
(para três espetadas)
2 peitos de frango
Abacaxi fresco cortado em pedaços
Sal
Pimenta preta acabada de moer.

Para a marinada
Meio iogurte natural sem açúcar
3 colheres de sobremesa de harissa
Sumo de um limão
3 dentes de alho picados
1 colher de sopa generosa de coentros picados

Preparação
Cortar os peitos de frango em tiras, temperar com sal e pimenta. Reservar. Fazer uma marinada com o iogurte, a harissa, os coentros e o sumo de limão. Deitar sobre os peitos de frango em tiras e reservar no frigorífico umas duas horas. O frango pode ficar a marinar de um dia para o outro.
Descascar o abacaxi e cortar pedaços pequenos. Num espeto de madeira, pôr alternadamente o abacaxi e o frango. Grelhar no carvão.

A harissa é uma pasta de pimentos e especiarias usada na cozinha do Norte de África. Tem um sabor forte muito característico e pode ser muito picante para alguns palatos. 

domingo, 13 de abril de 2014

Bolo de framboesas e chocolate branco e os domingos indulgentes

Domingo é dia de nada fazer. Embora consagrado como dia do Senhor, seja lá ele quem for, não somos muito dados à religião cá em casa, acabo sempre por contrariar a premissa. Levanto-me não muito tarde, e o tempo atmosférico permitindo, atiro-me à roupa para lavar. Em dias e semanas sem invernia, uma máquina chegará, mas em dias e semanas como os que temos vivido, uma máquina é pouco. Começo, portanto, pela roupa. E lavar roupa é estendê-la e apanhá-la. Lá se vão as boas intenções do dia de nada fazer. Depois vem o almoço, e a segunda parte do dia de nada fazer. O almoço, ao contrário da roupa, é prazer. Prazer puro. Prazer conseguir ver a tarja de mar iluminado da janela da cozinha e as manhãs luminosas prenhes de esperança de dias que não sei se algum dia virão. Mas foi Domingo. Atirei-me à cozinha e saiu este bolo.  Entre a primeira e a última fatia soltaram-se risos e exclamações, a partilha de que preciso para viver. Pode ser ao Domingo ou noutro dia qualquer. Se eles não passo.

Bolo de framboesas e chocolate branco

Ingredientes

Para a massa
175 g de manteiga
175 g de açúcar branco
175 g de farinha com fermento
2 ovos
Raspa de meio limão
50 ml de buttermilk ou leite
100 g de chocolate branco cortado em pedaços pequenos
125 g de amêndoas raladas
150 g de framboesas frescas

Para decorar
Açúcar de confeiteiro
Framboesas frescas
Raspas de chocolate branco


Preparação 
Pré-aquecer o forno a 180º. Bater o açúcar com a manteiga até obter uma mistura cremosa. Acrescentar os ovos um a um, batendo entre cada adição e a seguir o buttermilk. Acrescentar a farinha e envolver com uma espátula, depois as amêndoas raladas e a raspa de limão. Juntar o chocolate branco e, por fim, as framboesas com cuidado para não as partir. Colocar por cima as restantes e empurrar para dentro da massa suavemente. Levar ao forno 50 minutos.


Retirar do forno e deixar uns dez minutos na forma. Desenformar, deixar arrefecer e polvilhar com açúcar de confeiteiro, raspas de chocolate branco e framboesas. 

Fiquei fã deste bolo. É húmido, pintalgado de sabores tão diversos, feito de contrastes e fica maravilhosamente no meu suporte de bolos novo. A repetir. Há que lhe dar uso.

Nota: esta é uma versão mais densa do Bakewell Cake, uma alternativa para quem não gosta muito de chocolate branco e este uma alternativa para quem é amante de chocolate. 

sábado, 5 de abril de 2014

Pataniscas de cebola com especiarias ou os 'cebolitos'

Cá em casa, como em todas as casas, cada coisa adquire nomes próprios, diferentes das designações oficiais. A gata mais nova, de sua graça Julieta, como foi a última a juntar-se ao agregado familiar de pessoas e bichos, foi durante algum tempo 'o bebé'. Findo esse tempo de infância inicial, a bichana passou a ser 'a pequenita'. Esporadicamente e quando se faz desprotegida ainda lhe chamo 'bebé', mas a maior parte das vezes é mesmo 'a pequenita'. De vez em quando também é 'o pequeno hobbit felino' mas nessas alturas de 'pequenos hobbits' há alguns que vão sendo mencionados como, por exemplo, o 'pequeno hobbit docente', não, não sou eu, ou 'o pequeno hobbit' acrescido do apelido. 
Mas há mais e, na cozinha, renomeamos muito. Os pequenos folhados de farinheira são 'os farinheiritos' assim como uns aperitivos de chouriça são 'os chouricitos'. Panados são 'Schnitzel'.
Quando ontem me lancei à cozinha para fazer algo para petiscar antes do jantar, lembrei-me de recriar uma receita indiana, recriar é um abuso, na verdade, pequei no que tinha em casa, à falta dos ingredientes originais e fi-la à minha maneira. Correu bem. Hoje quando se falava do almoço de amanhã, alvitrei uma sobremesa. Responderam-me que talvez mas que podia voltar a fazer 'os cebolitos'. E aqui estão. Apresento-vos 'cebolitos'.

Pataniscas de cebola com especiarias

Ingredientes
75 g de farinha de trigo
150 ml de buttermilk
2 cebolas 
1 colher de chá de açafrão
1/colher de chá de sal
1/4 de colher de chá de cominhos moídos
1/4 de colher de chá de Pimenta Cayenne
Coentros picados (a gosto)
Cebolinho picado (a gosto)

Preparação
Numa tigela juntar a farinha, o sal e as especiarias. Abrir uma cova no meio e adicionar o buttermilk. Mexer muito bem com uma vara de arames. Juntar os coentros e o cebolinho picado. Adicionar por fim as cebolas em rodelas finas. Aquecer o óleo e verter porções com uma colher de sopa. Virar com um garfo, retirar, escorrer e degustar. Fácil e bom.



Qualquer coincidência com bhajis não é concidência. Assemelham-se mas usei o que tinha à mão: farinha de trigo, um resto de buttermilk a acabar o prazo de validade, coentros e cebolinho do lado de fora da porta. 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Pontos cardeais numa sericaia com ameixas de Elvas

Descobri que era do Sul quando me apaixonei pela luz de Lisboa, luz como não há outra e li nas palavras de José Cardoso Pires um bálsamo para a alma, o conforto para estados de alma sombrios não compatíveis com o fulgor da cidade branca.
Descobri que era do Norte quando me senti bem-vinda sem provas ou provações, apenas a porta escancarada, uma extensão evidente da alma calorosa que só a Norte se deixa sentir.
Descobri que era do Sul quando me arremessaram Vocês lá de Lisboa.
Descobri que era do Norte quando a minha mãe me pediu um testo, afirmou que o gato manquejava, usa cruzetas e cozinha em sertãs.
Descobri que era do Sul quando na esplanada da Graça vi a cidade estender-se para o Tejo como um tapete debruado e me senti de Lisboa como de mais lado nenhum.
Descobri que era do Norte quando me faltaram os dióspiros e os míscaros envoltos na frontalidade dos falares nortenhos.
Descobri que era do Sul quando li num guia de viagem sobre Portugal o preconceito escarrapachado em alemão como se de lei se tratasse Braga reza, o Porto trabalha e Lisboa diverte-se
Descobri que era do Norte quando as portas a Sul se me fecharam e os olhares de soslaio se me cravaram nas costas que nem flechas de bisonhice.
Descobri que era do Sul quando chego a Portugal em dia de sol brilhante e vejo Lisboa a meus pés como nenhuma outra e o coração me cutuca na alma Cheguei.
Descobri que era do Norte quando senti as portas semicerradas, uma frecha apenas, da qual se vislumbram olhos desconfiados, da alma nem sinal.
Descobri que era do Sul quando as palavras que ouço em surdina me trazem o escritor de volta Logo a abrir apareces-me pousada sobre o Tejo como uma cidade de navegar.
Descobri que era do Norte quando se me solta o vernáculo em momentos de fúria e intempestividade e mais não significa do que o alívio incomensurável da carga pesada dos sentimentos nefastos.
Descobri que era do Sul quando abri a porta do carro em pleno Alentejo e sou abraçada por um calor perfumado, um aroma inebriante, uma felicidade efémera e intensa.
Descobri que era do Norte quando filho da puta surge apenas o praguejar furioso não uma ofensa à progenitora do visado.
Descobri que era do Sul quando me questionaram E vocês, lá em Lisboa, o que é fazem no Natal?
Descobri que era do Norte quando me assola a nostalgia da Páscoa, a saudade do Pão-de-Ló com queijo da Serra, os desejos de leite-creme queimado com a pá de ferro fundido aquecido em fogão de lenha, aromas que a memória agarra à alma com a recordação doce dos afectos. 
Descobri que era do Sul quando descobri que era do Norte quando descobri que era do Sul.

E como sou de muitos lados escolhi uma das minhas sobremesas preferidas do Alentejo para participar no Dia Um... Na cozinha, nesta edição dedicada à doçaria regional. Sou do Sul também, sou muitas vezes de Sul.

Sericaia

Ingredientes
6 dl de leite
1 pau de canela
Casca de limão
7 ovos
275g de açúcar
75g de farinha
Canela em pó para polvilhar
1 pitada de sal grosso


Preparação
Pré-aquecer o forno a 200º. Colocar o prato redondo de barro no forno para ir aquecendo à medida que o forno aquece.
Ferver o leite com o pau de canela e a casca de limão. Retirar do lume e deixar que fique morno.
Bater as gemas com o açúcar até ficar um creme fofo e esbranquiçado.
Dissolver a farinha no leite morno, com uma vara de arames. Envolver o preparado dos ovos e açúcar e levar ao lume mexendo sempre até que engrosse e se forme um creme liso e homogéneo. Deixar amornar.
Bater as claras em castelo firme e incorporar no creme, envolvendo, de cima para baixo, com cuidado. Não mexer. A massa deve ficar leve. Retirar o prato do forno e untar levemente com margarina. Pode usar-se um pincel com um pouco de margarina. Uma vez que o prato está quente, a margarina dissolver-se-á rapidamente. Dispor a massa às colheradas desencontradas no prato, polvilhar abundantemente com canela e levar ao forno pré-aquecido durante cerca de 35 minutos.
Deixar arrefecer e servir com ameixas de Elvas.


Nunca tinha feito sericaia, embora seja das minhas sobremesas preferidas do meu querido e delicioso Alentejo. Requer calma e precisão. Esta receita deu uma sericaia enorme. Para uma menos exuberante aconselha-se meia receita. Mais um desafio superado.