sexta-feira, 27 de abril de 2012
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Paella ou a felicidade da partilha
Uma mulher acabada de casar traz consigo
quase todos os sonhos do mundo. Desliza pelos dias fora com a leveza da
felicidade menina, a extensão de momentos indizíveis votados apenas às
mulheres. O casamento é das mulheres. São elas que se transfiguram num ritual iniciático
alimentados de esperanças e ilusões. E julgam nesse efémero momento transcendental
que a vida será não mais do que a poesia que se liberta do breve instante em
que de braço dado com o seu pai, o homem primeiro, desliza de sorriso tímido e
transbordante rumo a uma nova vida. O aroma indefinível da plenitude paira no
ar como um manto protector dos tontos felizes, ingénuos tolos, os que assumem que o resto das
suas vidas não será se não uma extensão dos sorrisos e afectos do dia primeiro.
Uma mulher acabada de casar usa o
sonho do amor como véu e cuida do bouquet de expectativas como o enleio das
flores belas e frágeis. Julga-o eterno.
Uma mulher acabada de casar é um cadinho de esperança de amores partilhados e românticos. E é feliz.
Uma mulher acabada de casar é um cadinho de esperança de amores partilhados e românticos. E é feliz.
Eu como todas as mulheres
acabadas de casar tinha em mim todos os sonhos do mundo e o prazer de o
partilhar com os amigos. Houve almoços e jantares para os mais íntimos, a total
dedicação à cozinha.
Éramos todos à mesa e o dia
estava cinzento. O almoço foi paella. A primeira que terei feito na minha vida
e o primeiro prato que servi como mulher casada, anfitriã no meu castelo de
sonhos. Todas as paellas são desde então a celebração desse ensejo. O amor deve
ser partilhado. Só partilhado é amor.
Paella
Ingredientes
150 g de bacon cortados em
pedaços pequenos
1/2 chouriço de carne (geralmente compro de Seia)
1 cebola grande
Alho picado
200 g de carne de porco cortada
em cubos pequenos
200 g de carne de vaca cortada em
cubos pequenos
Mexilhões (deito a gosto, sem
fazer a menor ideia da quantidade)
Camarão (exactamente como os
mexilhões)
2 copos de arroz para risotto.
Azeite
Sal
Pimenta preta
1 colher de chá de açafrão.
Preparação
Cozer os camarões em bastante
água com sal. Depois de cozidos, retirá-los para arrefecer e reservar a água em
que foram cozidos. Num recipiente para paella ou numa frigideira funda com
pegas redondas que possa ir ao forno, deitar um fio de azeite. Deixar aquecer e
juntar o bacon e o chouriço cortados em pedaços. Quando começar a frigir,
adicionar a cebola picada, o alho e meia folha de louro. Deixar que a cebola
amoleça sem refogar e ganhe os aromas do bacon e do chouriço. Juntar depois as
carnes temperadas levemente com sal, alho picado e pimenta preta e deixar fritar
em lume brando mexendo de vez em quando.
Adicionar os camarões e os
mexilhões congelados. Depois de cozinhados, acrescentar o arroz para risotto,
deixar fritar e envolver muito bem com todos os ingredientes. Juntar a água de
cozer os camarões e o açafrão diluído na água. Para os dois copos de água pus três de água. Continuar em lume brando mas
deve ter-se cuidado e mexer levemente de vez em quando. Provar e rectificar os temperos. Quando o arroz estiver
praticamente cozido, levar ao forno pré-aquecido a 200º. Servir quando estiver
pronto, o arroz deve estar cozido mas um pouco húmido.
Esta receita é o resultado de uma
década de paellas. Já acrescentei outros ingredientes como frango, lulas ou ameijoas.
Já experimentei com outros tipos de arroz, agulha ou carolino, mas com o de
risotto fica infinitamente melhor. Recomendo. Gosto
de fazer mudanças, os ingredientes podem variar um pouco e as porções são
muitas vezes a ‘olho’, a maneira como funciono melhor. Não acrescento nunca
ervilhas, embora a paella original as tenha. Desta vez levou meia malagueta para lhe dar um toque atrevido.
É um dos meus pratos preferidos.
É quente, retemperante, variado e colorido quer pela riqueza dos ingredientes
quer pelo açafrão. É a minha paella.
Esta história e a receita foram escritas para O Bolo da Tia Rosa que está a festejar o primeiro aniversário do blogue. Os meus parabéns para a Mané.
sábado, 14 de abril de 2012
A vida na aldeia e um bolo de morangos
Dizem-me que a cidade me falta e
que bastarão uns fumos
poluentes logo ali na Calçada de Carriche para que se me libertem os humores e
os meus dias se encham de sol. A cidade falta-me, é verdade. Falta-me muitas
vezes. Faltam-me os lugares-comuns da luz de Lisboa e falta-me o bulício de
cidade, pessoas que se cruzam de um lado para o outro, correrias e idiossincrasias
várias. Não que me sinta citadina ou urbana mas as grandes urbes são como ímans
onde sonho sempre regressar.
A vida na aldeia não é como a vida na cidade. A vida na
aldeia é comandada pelos passos lânguidos de um tempo muito próprio, de uma outra
dimensão, como se as horas tivessem uma medida de tempo oculta vagarosa, uma
clepsidra feita de vagares que se alternam noite e dia, e se alongam entre conversas
várias no meio do largo ou em plena rua indiferentes a carros ou quaisquer
outros veículos. Na aldeia reinam as pessoas e os vagares.
Na aldeia não reinam só os vagares. Na aldeia reina a alma de
gente que tem o negócio no sangue. Se puderem vender nunca ficarão parados,
jamais calados perante as qualidades indiscutíveis dos seus bens e irredutíveis
na arte de convencer a freguesia. Não há como eles. A arte está-lhes nos genes.
Na aldeia não há isso de trabalho infantil, há a necessidade de dar um jeito
quando os adultos se ausentam para um qualquer propósito, uma responsabilidade
que se incute sem que daí venha mal ao mundo. Desde tenra idade é vê-los
diligentes nas demasias e a destrocar dinheiro enquanto elogiam as
batatas ou bendizem os morangos e perguntam se queremos ovos caseiros, na cidade diz que são biológicos.
Foi hoje pela fresca. Um almoço de família ditaria uma
sobremesa para a qual me faltava fruta. Rumei à mercearia que agora se acomodou
no largo da igreja mas desta feita quase de frente para a igreja e isto porque,
suspeito, o tempo em que estiveram de costas para a igreja o negócio murchou
como grelos ao sol. Seguiu-se um breve período em que a venda tinha lugar numa
carrinha. Uma vez aberta desvendavam-se cores e aromas, formas rotundas e longilíneas
de legumes e frutos diversificados. Uma festa para os sentidos. Ainda estou
para perceber porque aquele poema do Cesário Verde nunca me convenceu.
Estava lá o João. Tem uns nove anos, quem sabe, uns olhos
azuis acinzentados encantadores e a ginga do negócio no corpo. Estava a jogar
um jogo no computador literalmente virado de cangalhas, a noventa graus e com o
ecrã apoiado em cima duns caixotes, enquanto atendia uma anciã insatisfeita com
a cor tão desmaiada do açúcar amarelo. Os meus olhos saltaram para uns abacates
bem rotundos, um regalo para os olhos, e quando murmurei algo sobre os ditos, o
João saiu da caixa e ensinou-me, pegando num abacate Quer ver, disse, aproximando-o de mim, Se se ouvir o caroço lá dentro está maduro e pegando num outro
exemplificou abanando-o levemente Está a ouvir? Sim, estava.
Comprei morangos para o bolo do almoço de família, não havia ameixas e
as nêsperas não me convenceram. Voltei vagarosa. Perscrutei os patos e galinhas
da vizinha a caminho de casa, a exuberância dos limoeiros e fui cumprimentada
pela fragrância da glicínia à entrada do jardim.
Há dias em que tenho saudades da cidade. Hoje não foi um
deles.
Bolo (desta vez ) de morangos
Ingredientes
4 ovos
200g de farinha
200g de açúcar
200g de margarina
morangos ou outra fruta a gosto
Preparação
Untar uma forma de pirex baixa e pré-aquecer o forno a 190º. Bater a margarina com o açúcar. Juntar os ovos um a um e adicionar por fim a farinha continuando a bater mas em velocidade média. Deitar na forma e espalhar os morangos. Levar ao forno cerca de 20 minutos.
Este bolo que fica quase uma tarte presta-se a muitas variações de acordo com a fruta que for adicionada. Já experimentei com framboesas, mistura de frutos silvestres congelada, pêssegos e maçã envolvida em açúcar e canela. Se se quiser fazer um bolo maior é só acrescentar 50 gramas de cada ingrediente por cada ovo a mais. Muito fácil de confeccionar não me tem desiludido. Hoje também não correu mal.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Temperos de letras (3)
Esta é uma arte que me dá prazer. Existe uma espécie de feitiçaria em todo o trabalho culinário: na escolha dos ingredientes, no processo de misturar, raspar, derreter, macerar e aromatizar, nas receitas retiradas de livros antigos, nos utensílios tradicionais - o pilão, o almofariz, a mistura com que a minha mãe fazia o seu incenso convertidos a um propósito mais caseiro, as suas especiarias e ervas aromáticas cedendo as subtilezas a uma magia mais básica e sensual. E é em parte a efemeridade de tudo que me delicia: tanta preparação amorosa, tanta arte e experiência aplicada num prazer que dura não mais que um momento e que só uns poucos apreciarão plenamente.
Joanne Harris, Chocolate.
sexta-feira, 6 de abril de 2012
Em nome do Pai
A Páscoa é ter três ou quatro
anos, um vestido azul-turquesa de fazenda vestido que me picava, era capaz de
jurar que tinha a saia pregueada, e estar às cavalitas de um amigo dos meus pais.
A Páscoa é tremer de medo com a procissão dos farricocos em Braga nesse mesmo
dia do vestido azul-turquesa que me picava mas me aterrorizava menos que
aquelas figuras tétricas sem rosto a fazer barulho cidade fora. A Páscoa era
não haver politicamente correcto e poupar a criança do vestido azul-turquesa de
fazenda àquele susto. A Páscoa é Beira-alta. A Páscoa é Tibaldinho e a festa da
aldeia, o povo engalanado nas suas melhores farpelas. A Páscoa é esperar. A
Páscoa é esperar pacientemente sem meter dedo ou dente perante uma mesa cheia
de doces, bolos, folares pela hora do almoço, controlar o ímpeto de criança,
obedecer aos meus pais e portar-me bem lá nessa casa dos doces, bolos e folares
e dinheiro por baixo de uma laranja na mesa. A Páscoa é esse sacrifício. A
Páscoa é o padre chegar e trazer uma imagem e dar-nos a beijá-la. Diz que era
Cristo menino mas nunca entendi porque se havia de não comer bolos, haver dinheiro
em cima da mesa e beijar uma imagem naquele tempo. A Páscoa é a procissão do
enterro do Senhor pelas ruas de Viseu. A Páscoa é ter muitas dúvidas que dos
mortos nunca ninguém voltou e não me consta que Jesus Cristo apreciasse tanto
fausto, tanta celebração, alguma ostentação. A Páscoa é estar num qualquer
sítio do mundo e pensar Olha, hoje é
Domingo de Páscoa. A Páscoa é a esperança de dias longos, dias novos. A Páscoa é leite-creme queimado com a pá de ferro que
vai passando de geração em geração. A Páscoa é e será sempre pão-de-ló com
queijo da Serra. A Páscoa será sempre o pão-de-ló que fiz, que se fazia para o meu pai. A Páscoa é ele sorrir-me com os olhos amendoados e dizer-me Está uma maravilha, filhota. A Páscoa é
comer o pão-de-ló em sua homenagem. Hoje e sempre.
Ingredientes
250 g de açúcar
125 g de farinha
8 gemas
4 ovos inteiros
Preparação
Forrar uma forma com um buraco no
meio com papel vegetal. Pré-aquecer o forno a 190 º. Bater os ovos com o açúcar até ficar uma mistura fofa e
aveludada cerca de oito minutos. Juntar a farinha e bater mais dois minutos. É muito importante que a massa fiquei bem batida para ficar leve. Deitar com cuidado na forma e levar ao forno com uma folha de papel vegetal por
cima cerca de 45 minutos. O tempo de cozedura vai determinar se o pão-de-ló
fica mais ou menos húmido, é uma questão de gosto. Não fica particularmente
bonito mas é a receita que me foi dada por uma amiga dos meus pais,
curiosamente presente naquele episódio matricial da Páscoa em Braga. Nunca me
falhou até hoje. Ela também não.
domingo, 1 de abril de 2012
Frugalidades pecaminosas ou clafoutis de morango
A primeira explicação encontra-se
na fotografia de casamento dos meus pais. Da esquerda para a direita estão os
meus avós paternos, o meu avô garboso e a fazer pose, a minha avó muito
sorridente, um momento raro, de vestido escuro, colar de pérolas e chapéu, ambos
sorridentes, parecem felizes ambos, o meu pai, muito direito a fazer-se
indecentemente para a fotografia, atitude que o acompanhou durante todos os
seus dias, a minha mãe, radiosa, como todas as noivas, embevecida a olhar para
o seu recente marido e a minha avó materna, pequenina e fofa, já de cabelo
branco e com o ar doce de sempre. E vem tudo isto, porque o pedaço de perna e
de pantorrilha que sobra dos vestidos de ambas as minhas avós deixa à mostra a pernoca
gorducha e o tornozelo grosso. A da minha mãe, igualmente gorducha e de tornozelo
grosso não se vê evidentemente. Penso nesta fotografia quando me travo de
razões com as pernas encorpadas e tornozelos grossos e maldigo a genética.
A segunda explicação é que de
todos os pecados mortais aquele a que mais sucumbo é a gula. Não preciso de
comer muito, às vezes como, é verdade, mas sabem os deuses e Baco também, como
gosto de uma refeição opípara, preparada com carinho e partilhada com a
generosidade de dividir amores e deixar misturar-se no ar o aroma volúvel da
amizade. Se estiver sozinha, como algo rápido e frugal, passam-se anos sem que
coma um bolo de pastelaria, prescindo de cremes, natas e bolos superlativos de
cores e decorações, torço o nariz aos fritos que me olham de soslaio, miseráveis na sua existência entre vitrinas, se não comer pão não morro e batatas fritas e massas, como legumes, como fruta, como iogurtes magros, bebo muita água, mas não resisto a uma boa mesa entre amigos, um jantar de sexta-feira caprichado e um almoço de Domingo retemperador e prenhe de sabores novos e velhos na calmaria de nada fazer.
A terceira explicação é que gosto
de cozinhar. Gosto de experimentar coisas novas, acrescentar ao que já sei
fazer, modificar o faço, modifico muito e raramente sigo uma receita à risca e
gosto das cores, das fragrâncias, da expectativa, de cozinhar para os
outros. E gosto de bebericar um copo de
vinho enquanto cozinho, ou enquanto espero ou com a refeição, e de comer uns
amendoins salgados e picantes ou depenicar qualquer outra coisa que me corte o
adocicado do Moscatel ou do vinho do Porto ou do Port Tonic que, como se prevê,
também gosto.
E serve isto para dizer que com
esta genética e estes prazeres, só me restam dois trilhos: ou me conformo com
as formas rotundas, cada vez mais rotundas, ou me abalanço na dieta. Optei pela
última, mas como as dietas são como as leis, existem para ser quebradas, hoje
fiz um clafoutis de morangos para rematar o almoço de Domingo. Apetecia-me tanto mas tanto algo doce. Pareceu-me pouco
calórico e primaveril para comemorar a estação. Uma fatia não faz mal, ou fará?
Clafoutis de morango
Ingredientes
500 g de morangos
150 g de açúcar
120 g de farinha
4 ovos
200 ml de leite
200 ml de natas light.(usei marca branca Pingo Doce)
Preparação
Pré-aquecer o forno a 180º. Barrar uma forma
refratária com margarina. Lavar os morangos. Cortá-los em quartos longitudinais
e deixá-los escorrer. Bater os ovos com o açúcar até que fique um creme fofo e
esbranquiçado. Juntar a farinha e continuar a bater. Por fim adicionar o leite
e as natas. Espalhar os morangos uniformemente pela forma. Deitar o creme por
cima e levar ao forno durante cerca de quarenta minutos. Deixar arrefecer.
Fiquei fã deste doce indefinido
sem ser tarte ou bolo ou pudim de textura húmida, aveludada e macia. Ideal para
rematar um almoço mais pesado ou para quem gosta de sobremesas leves com fruta.
Subscrever:
Mensagens (Atom)