Reabro o suplemento do jornal deixado ao acaso sobre o sofá na certeza de ser relido uma ou duas vezes mais. Percorro pela segunda vez as paragens sugestivas, viagens low-cost, e os olhos focam quase nas últimas páginas uma receita de ginjinha: 1 kg de açúcar, 1 kg de ginja, 2,5 l de aguardente, 1 pau de canela.A melhor ginja artesanal que terei bebido foi feita pela mão da minha tia, corria então o longínquo ano de 1995, há mais de uma década, portanto. O aroma desprendia-se de imediato no contacto do néctar rubro com o cálice de dimensões generosas, assim me cutuca a memória presente da mescla do perfume da canela com a cor densa de textura licorosa, ou não fosse ginja, com os frutos mínimos esféricos no fundo da garrafa bojuda que julgo ainda existir em casa dos meus pais. E vem tudo isto a propósito das receitas de cozinha. Podem incluir o mais sofisticado e rigoroso modo de preparação, ingredientes de qualidade excelsa, exóticos, raros, frescos, biológicos, mas caso sejam ausentes e desvalidos do toque mágico e alquímico de quem os une, casa, funde e mistura, qualquer cozinhado potencialmente perfeito e opíparo transformar-se-á numa sensaboria inodora e insípida. E, também por isso, nunca entendi quem aferrolha a sete chaves segredos de cozinha, guarda para si receitas e toques especiais que, teoricamente e aos olhos dos avaros e zelosos guardiães dos mistérios de sabores, transformam um simples prato num manjar divino. Qualquer receita é potencialmente um desastre ou um sucesso, assim a mão de quem a labora e prepara. Por isto também tenho a certeza de que jamais provarei ginja como a da minha tia.