sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Manjar branco e o consolo da memória


Memória. Sem a memória somos nada. A memória é o cadinho onde se encontram e se misturam as vivências e delas sai quem somos, o que fomos e o que seremos. O elo que permite que passado e presente se unam. Saborear, provar, comer, degustar é não raras vezes um exercício de memória, um retorno aos momentos felizes e a sabores que encerram memórias gratas de um tempo que se reconstrói pleno. Manjar branco estará para sempre associado à minha tia. Correria o mês de Maio e por obra da coincidência passaríamos esse seu aniversário com ela. Quando chegámos tinha uma sobremesa nova, a receita dada por alguém, e que ela replicou na perfeição, acredito até que melhor que o original. As proporções de açúcar ultrapassavam sempre as desejadas. A minha tia, quem sabe para a compensar da vida que teve, gostava dos doces bem doces e jamais pouparia em açúcar. Aquele doce de sabor delicado mas intenso agarrou-se-me à memória, o elo grato entre o que fui e o que sou.
Quando no Dorie às sextas a proposta era um manjar branco regressou a memória da minha tia. Secretamente pensei que a Dorie seria incapaz de igualar o manjar branco da minha tia e confirmei as diferenças. Eram muitas. Não era confeccionado com leite de coco e também não havia ameixas secas. Por seu lado, a minha tia era rapariga para eliminar as framboesas sem cerimónias, demasiado ácidas, já se sabe, e carregar no açúcar. Neste triângulo, a Dorie, a minha tia e eu, resolvi experimentar o meu próprio manjar. Demasiado tranquila para algo muito elaborado e preocupada com a quantidade de natas da Dorie e de açúcar da minha tia optei por uma versão light, a léguas de distância das duas versões. Qualquer semelhança é apenas coincidência, mas quem disse que não se pode inventar e recriar de vez em quando?

Ingredientes

Manjar branco
1 lata de leite condensado (usei light)
4 iogurtes naturais magros (pus Sveltesse)
½ embalagem de créme fraiche
8 folhas de gelatina transparente

Coulis de framboesa
2 chávenas de framboesas (usei congeladas)
½ chávena de açúcar
Sumo de meio limão (pequeno)

Framboesas frescas

Preparação
Demolhar as folhas de gelatina. Bater o leite condensado com os iogurtes. Diluir as folhas de gelatina numa tigela com um pouco de água a ferver. Deixar arrefecer um pouco e deitar uma concha do preparado de leite condensado nas folhas de gelatina. Mexer muito bem e a pouco e pouco adicionar no resto do leite condensado. Por último, juntar as natas. Deitar numa forma, usei uma de silicone, e levar ao frigorífico de um dia para o outro.

Coulis de framboesa
Levar ao lume numa caçarola as framboesas com o açúcar e o sumo de limão. Deixar ferver uns quinze minutos até engrossar. Deixar arrefecer e reservar.
Pôr a forma dentro de um recipiente com água quente e desenformar o manjar. Verter o coulis por cima e decorar com as framboesas frescas.

Esta versão do manjar branco é muito diferente, digamos que é a versão abreviada, ou esqueçamos que é manjar branco mas resulta muitíssimo bem nestes dias de Verão e de calor.  Para quem não gosta de versões light pode aventurar-se na opção sem restrições e ainda enriquecer a receita com uns deliciosos iogurtes gregos.


quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Agosto num naco de carne


Agosto. Agosto e Janeiro. Janeiro porque é frio, cinzento, um mês de espera longa de dias breves e céu opaco que repousa como um manto cinzento, pesado. E o frio. E o nada acontecer. Uma sequência de minutos, horas, dias, semanas a fio sem que nada se faça se não esperar a alvorada e o dealbar de um tempo de esperança.
Agosto porque foi sempre mês de demoras longas e ausências dilatadas. Que chegasses. Que tivesses tempo, vontade para aproveitar a vida que se passeava a teu lado sem que reparasses, ensombrado por afazeres imperiosos que me colocavam em espera, a nós em suspenso. Janeiro virá, Janeiro de esperas longas. Espreito o fim de tarde e vejo a tarja de mar que me acompanha sempre que me abeiro da cozinha, a tarja de mar cinzento, azul, prateada ao pôr-do-sol, mutante ao longo do ano e vou agradecendo a graça deste Agosto contigo. Prazeres pequenos inconfessáveis, coisas só nossas, cumplicidades que não permitem palavras. Chamas-me de lá de fora enquanto juntos respiramos a tarde que se abandona lentamente nos braços da noite. Chamas-me para ver o luar de Agosto que se adivinha Vem ver a lua! e eu vou e sei que hei-de ter saudades deste Agosto.

Naco de carne com gratinado de cogumelos

Ingredientes
Três nacos de carne de vaca para assar com cerca de três dedos de altura
250g de cogumelos (usei brancos mas fica melhor com shitake ou Portobello)
½ pacote de natas
2 gemas de ovos
Queijo Parmesão
Alho
Cebolinho
Azeite
Sal e pimenta preta acabada de moer

Preparação
Temperar os nacos de carne com sal e pimenta preta acabada de moer. Lavar os cogumelos e parti-los em quartos. Numa frigideira quente, deitar um fio de azeite e uma noz pequena de margarina e saltear os cogumelos. Quando estiverem quase prontos deitar o alho picado. Deixar saltear mais para cozinhar o alho sem queimar e, por fim, temperar com sal e pimenta. Reservar.
Aquecer muito bem uma frigideira antiaderente, deitar azeite e selar a carne. Deixar ficar no ponto desejado. Como éramos três com gostos diferentes, dois nacos ficaram mais bem passados e um ficou mal passado. Passar os nacos para uma assadeira ou um prato que possa ir ao forno.
Bater o meio pacote de natas até ficarem firmes, juntar as duas gemas de ovos e mexer. Deitar por último o cebolinho cortado, usei uma tesoura de ervas aromáticas. Colocar os cogumelos neste preparado e envolver tudo.
Com uma colher de sopa deitar a mistura de cogumelos e natas por cima de cada naco de carne. Polvilhar com parmesão acabado de ralar e levar ao forno a gratinar. O tempo de cozedura no forno depende mais uma vez do gosto de cada um. Neste caso esteve apenas o suficiente para gratinar mas como o forno não estava muito quente terão sido uns quinze minutos
Este prato é indicado para os carnívoros empedernidos e faz grande sucesso cá em casa. Embora tenha a mania das invenções na cozinha quase segui à risca esta receita do Gordon Ramsay que, tal como o naco de carne com gratinado de cogumelos, faz grande sucesso cá em casa. Acompanhei com beringela e tomates italianos grelhados e foi regado com Mateus Emotions numa mesa bem-disposta e coroada de carinho com a luz de Agosto a entrar-nos pela vida. 


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Bolo de pêssegos e o dia sem dieta


Quando se juntam numa mesma criatura o prazer da mesa, a tendência para acumular por várias partes do corpo tudo o que se ingere, sim, ela existe, não é mito e não me venham com os conselhos sobre como comer que a minha prática daria uma equivalência em qualquer curso de nutricionismo, o deleite da cozinha e, para rematar, a idade, o resultado é não raras vezes um conflito bélico onde numa só e desesperada pessoa os quatro andam à estalada. Quando fui às compras de manhã precavi-me e forneci-me de uns belos pêssegos aromáticos dos que largam o caroço e uma base de massa folhada. Apetecia-me um doce e meti na cabeça repetir a tarte tatin mas desta vez de pêssego. Antes da hora do almoço e enquanto preparava o dito continuou a apetecer-me muito uma sobremesa. Acontece que o meu grilo falante deu-me mais uma preleção sobre os assuntos do costume: a idade, as ancas imensas, o peso, blá blá blá. Resisti a tudo o que tinha trazido do supermercado. À hora do almoço voltei a lembrar-me de que não havia nada para rematar a refeição tranquila de Domingo, dia por excelência de preguiças várias. No fim do almoço, senti-lhe a falta, declarei alto e bom som que Domingo passaria a ser o ‘no diet day’ doravante e umas horas depois abalancei-me na cozinha e derrotei este malvado conflito sem saber quem derrotei afinal. Vencida, deitei mãos à obra. Por aquela hora já não me apetecia a tarte tatin e resolvi-me por uma invenção: em vez da folha de massa folhada, fiz um bolo, inspirada no opíparo bolo de bananas da minha mãe e que é o meu bolo de aniversário há uma década bem medida e derramei a massa sobre a mistura do caramelo e dos pêssegos. O resultado é o que se vê. Ficou muito bom, com o equilíbrio perfeito entre os vários sabores: o doce do caramelo e o ácido dos pêssegos rematado com a textura suave do bolo, no ponto exacto. Não devia ter experimentado, fiquei com vontade repetir. Xô, grilo falante! Vade retro, bicho malvado!

Bolo de pêssegos e caramelo

Ingredientes

Para o caramelo:
150 g de açucar
50 g de margarina

Para o bolo:
250 g de açúcar
200 g de farinha
150 g de margarina
5 ovos

Pêssegos a gosto
Vinho do Porto branco

Preparação
Começar por descascar os pêssegos e cortá-los em oitavos. Dispor numa frigideira de 28 cm com o açúcar e a margarina. Reservar. Entretanto preparar a massa do bolo: amolecer a margarina, juntar o açúcar e bater até ficar um creme. Adicionar os ovos um a um continuado a bater com a batedeira e, por fim, acrescentar a farinha. Reservar.
Levar a frigideira com os pêssegos ao lume e deixar o açúcar caramelizar. O processo é lento, contudo, a caramelização é rápida. Quando estiver caramelizado, borrifar com Vinho do Porto branco e retirar do lume. Deitar a massa do bolo por cima e levar ao forno pré-aquecido a 190º cerca de vinte minutos. Deixar arrefecer e servir. Esta é a técnica da tarte tatin mas desta vez apeteceu-me variar com massa de bolo. Podem usar-se outras frutas, maçãs, alperces, ananás ou banana, assim. mandem o gosto e a imaginação.


Depois de tanto tempo ausente, eis-me de volta.