No dealbar da primeira década do
milénio a minha vida havia de sofrer uma transformação profunda. Nessa
transformação esteve presente muita gente, gente que continua a povoar a minha
vida e faz dela o bálsamo e o elixir que faz tudo valer a pena, gente que está
ausente fisicamente e cuja falta me dói todos os dias, gente que anda por aí
mas que deixou de ter importância e uma espécie de seres curiosos e caricatos. Ela
fazia parte destes últimos.
Era rotunda, usava bata em dias de fazer, como dizia a minha avó, tinha pilosidades que fariam inveja à Frida Kahlo, mas que aparava no cabeleireiro da aldeia, e o rosto marcado por um sobrolho desconfiado, benza Deus, desconfiado e opaco por onde não passaria quem faz dos dias leveza e, muito importante, quem não lhe prestasse vassalagem, a espinha curva e sorriso obediente, calhando, a cauda a abanar. Sem qualquer ponta de heroísmo, eu havia de ser uma dessas criaturas e a relação que travámos tensa e sem qualquer salamaleque da minha parte. Perguntar-se-ão porque tinha eu de suportar uma espécie daquelas. Acontece que a simpaticamente epitetada cusca era dona da casa que habitei durante um ano bem medido e, assim sendo, não tinha como fugir-lhe. Quando um dia as paredes da sua mansão emareleceram por causa da mistura explosiva de humidade e fumo da lareira, a criatura espalhou pelo mundo que havíamos grelhado chouriços na lareira. No dia em que a vi matreira bater à minha porta, esfreguei-lhe no fácies desconfiado o boato chouriceiro e ainda lhe arrematei certeira e furiosa mas estamos na Idade Média para fazer fogueiras no meio da sala? O curioso ser encheu-se de fervores ofendidos. Quem ousaria viver na sua casa, e, pasme-se, confrontá-la com a sua própria maledicência? Um dia tudo acabaria e quando fechei a porta da mansão húmida e ventosa e o meu consorte lhe estendeu as chaves, fosse eu ter-lhas-ia esfregado no semblante tisnado, terá sido um momento a recordar.
Era rotunda, usava bata em dias de fazer, como dizia a minha avó, tinha pilosidades que fariam inveja à Frida Kahlo, mas que aparava no cabeleireiro da aldeia, e o rosto marcado por um sobrolho desconfiado, benza Deus, desconfiado e opaco por onde não passaria quem faz dos dias leveza e, muito importante, quem não lhe prestasse vassalagem, a espinha curva e sorriso obediente, calhando, a cauda a abanar. Sem qualquer ponta de heroísmo, eu havia de ser uma dessas criaturas e a relação que travámos tensa e sem qualquer salamaleque da minha parte. Perguntar-se-ão porque tinha eu de suportar uma espécie daquelas. Acontece que a simpaticamente epitetada cusca era dona da casa que habitei durante um ano bem medido e, assim sendo, não tinha como fugir-lhe. Quando um dia as paredes da sua mansão emareleceram por causa da mistura explosiva de humidade e fumo da lareira, a criatura espalhou pelo mundo que havíamos grelhado chouriços na lareira. No dia em que a vi matreira bater à minha porta, esfreguei-lhe no fácies desconfiado o boato chouriceiro e ainda lhe arrematei certeira e furiosa mas estamos na Idade Média para fazer fogueiras no meio da sala? O curioso ser encheu-se de fervores ofendidos. Quem ousaria viver na sua casa, e, pasme-se, confrontá-la com a sua própria maledicência? Um dia tudo acabaria e quando fechei a porta da mansão húmida e ventosa e o meu consorte lhe estendeu as chaves, fosse eu ter-lhas-ia esfregado no semblante tisnado, terá sido um momento a recordar.
Na minha nova vida, com a cusca
para trás das costas e uma casa a que chamasse minha e onde pudesse assar até
cabritos na lareira, ficou desde muito cedo bem claro que a rua a que chamo de
minha, minha do coração, era povoada por gente boa.
Dei-me conta disso, num dia de invernia em que, depois duma chuvada, todos os
vizinhos se uniram para limpar a rua, havia saibro por aí que precisava de ser
removido. Os dias que se seguiram, e já lá vai uma década, foram e são dias
de boa vizinhança, uma verdadeira bênção. Há bons dias e boas tardes, conversas
a que se vão juntando mais vizinhos na acalmia da tarde, há os animais de cada
um que são de todos, há copos que se bebem, há entreajuda e solidariedade, há
preocupação, há carinho. Ontem, ao sair de casa, tínhamos um saco de enormes e
belos limões, um presente dos “senhores do treze”, assim os chamo em conversa
com a minha mãe para os distinguir dos outros. Hoje pela tarde calma que a
escola finalmente me permitiu ter abalancei-me nestes biscoitos de lima-limão
aí em baixo para partilhar com os meus adorados vizinhos. Há lá coisa melhor?
Meltaways de lima-limão
Ingredientes
175 g de margarina
1 medida de açúcar de confeiteiro (250 ml)
1 ovo pequeno
Raspa de uma lima
Raspa de um limão pequeno
Sumo de uma lima
Sumo de meio limão
2 medidas de farinha com fermento
2 colheres de sopa de amido de
milho
¼ de colher de chá de sal grosso
Preparação
Misturar a farinha, o amido de
milho e o sal num recipiente. Bater a margarina à temperatura ambiente com o
açúcar até ficar um creme fofo. Juntar a raspa e sumo da lima e do limão.
Adicionar o ovo e bater. Incorporar a mistura das farinhas e do sal. Bater
apenas o suficiente para que fique uma massa homogénea. Em papel vegetal formar
dois troncos de massa. Levar ao frigorífico umas duas horas ou ao congelador.
Findo esse tempo, pré-aquecer o forno a 180º. Retirar os troncos de massa e com
uma faca cortar em fatias. Como não gosto do aspecto tão aparado, passei um
garfo para ficar com marcas em quadrícula. Levar ao forno uns vinte minutos.
Retirar, deixar arrefecer um pouco e envolver com açúcar de confeiteiro. Para
ficar mais uniforme, deitei o açúcar num saco de refrigeração e pus lá dentro
os biscoitos envolvendo tudo com cuidado.
Receita inspirada nesta.