Os portugueses têm uma mania que muito me irrita: acham que vivem num país tropical. Eu suporto o frio, mas só o suporto na rua e no Inverno. Aceito-o como uma inevitabilidade. Visto-me a preceito e posso até ir rua fora, aconteceu-me bastante numa semana a norte de Inglaterra, recolho-me num chá quente e aceito a condição. O que não suporto mesmo é frio em casa. Odeio. Se me querem ver absolutamente intratável é dar-me uma casa fria, onde as pessoas andam encolhidas com frio. Excluo aqui a condição presente de depauperados em que teremos de decidir que contas pagar e estabelecer prioridades. Infelizmente. Mesmo antes desta miséria a todos os níveis que nos impuseram esta particularidade prevalecia. Não é uma prioridade estar quente em casa, ao que parece o português gosta da sensação cortante de andar de mantas em casa para ultrapassar o frio. A construção das casas não ajuda e a dimensão de palácio de muitas outras também não. Outra vez é uma questão de prioridades.
Uma das coisas que gosto no norte da Europa é a tendência para as casas serem mais pequenas e muito bem aquecidas. O conforto que se sente quando se entra numa casa inglesa, e obviamente haverá excepções, não tem igual. E depois é o acolhimento, pormenores de flores nas janelas, bibelots que provocariam o vómito aos amantes de Mies van der Grohe, um bocejo aquele despojamento de formas e austeridade de linhas, um universo interior em contraste com a uniformidade da arquitectura exterior. E disso também gosto: viver dentro em vez de mostrar para fora.
Numa destas minhas estadias em Inglaterra apanhei naturalmente alguns dias de invernia. Estava muito frio nesse dia. Ia voando com o vento, os olhos lacrimejaram e a chuva estava gélida. Meti a chave à porta e o contraste não podia ser maior. Tudo me pareceu perfeito naquele momento. Tão perfeito que dei por mim a pensar que a felicidade é um momento assim e uma casa daquelas.
Nesse dia à noite houve bread and butter pudding com um twist. Em vez de pão a dona da casa utilizou pannetone, juntou-lhe umas pepitas de chocolate e tâmaras em pedacinhos. Que forma tão boa de complementar o conforto e esquecer a invernia do dia. Disso sabem os ingleses.
Pudim de brioche com compota de laranja e whisky
Ingredientes
1 brioche cortado em fatias (não usei todo)
Whisky aromatizado com baunilha e especiarias (usei William Lawson’s Super Spiced)
Compota de laranja
Açúcar para polvilhar
Para o ‘custard’
400 ml de leite
200 ml de natas espessas
3 colheres de sopa de açúcar
5 ovos
Preparação
Pré-aquecer o forno a a 200º. Cortar
as côdeas do brioche e partir as fatias ao meio. Untar com margarina uma forma
rectangular refractária. Barrar as fatias com a compota de laranja e colocar na
travessa de forma sobreposta. Regar com o whisky a gosto e fazer outra camada.
Com uma vara de arames bater os
ovos com o açúcar, juntar as natas e o leite. Verter sobre o pão e deixar
repousar 15 minutos.
Polvilhar com açúcar e levar ao forno pré-aquecido cerca
de 40 minutos. Retirar do forno e servir morno.
Nota:
- Originalmente o bread and butter pudding é, como o nome indica, pudim de pão com manteiga e uma instituição das mais simples e despretensiosas sobremesas britânicas. Optei pelo brioche por influência do que comi.
- Uma vez que o brioche já tem manteiga optei por não barrar com mais manteiga.
- Servi com uma bola de gelado de baunilha para apaziguar a intensidade de sabores.
- Mais uma vez uma sobremesa para quem gosta de sabores fortes. O whisky aromatizado casa muito bem com a compota de laranja. Para uma versão menos intensa, omitir o whisky e substituir a compota de laranja por manteiga.
13 comentários:
Concordo contigo e também partilho dessa opinião, o português tem mais gosto em mostrar para fora e não usufruir em pleno do conforto do seu lar. O que interessa é ter um lindo castelo para mostrar, com uma linda fachada e um grande carro à porta da garagem. Depois entra-se no dito castele e é ver o mau gosto, o desconforto e as divisões vazias.
Esse Bread and Butter Pudding tem mesmo a minha cara, tem um aspecto delicioso, óptimo para um dia frio como o de hoje. ;)
Beijinho.
É mesmo, Célio. Não suporto o desconforto e cada vez mais gosto de alguma sobriedade do norte da Europa. Estas casas assim pequenas são tão acolhedoras. Bem, pequenas para os padrões de algumas pessoas :)
Obrigada :)
Beijinho
Leonor,
não poderia concordar mais contigo. É impagável o que sente numa casa confortável, mesmo que pequena. Eu detesto o frio, não me dou bem com ele, para mim seria sempre primavera quente ou verão :)
Mas como o tempo ameno tarda em chegar, este bread and butter pudding é perfeito para nos confortar. Para mim com whisky por favor :)
Além disso é uma excelente sobremesa para aproveitar pão. Tenho duas ou três receitas deste género para experimentar, vou levar também esta :)
Bjns
Isabel
É tão bom, Isabel :) Nada como chegar a casa e ter aquela sensação de conforto. Como dizes, é impagável. E concordo contigo, Primavera ou Verão sempre, embora com o correr do tempo e com esta desgraça que se abateu sobre o país tenha sentido que o tempo não é o mais importante.
Eu acho que esta receita originalmente foi criada para poupar pão. O Nigel Slater diz que surgiu da avareza inglesa. É barata, se não lhe pusermos o whisky, e muito boa. A primeira vez que comi foi na Irlanda e não me convenceu grande coisa, bom, mas nada de mais. Esta segunda vez deixou-me convencida. Deve ter sido a conjugação de várias coisas :)
Muitos beijinhos, querida :)
Bom dia Leonor,
não me dou nada bem com o frio, nada mesmo, fico diferente sem vontade de sair de casa, existem pessoas que não suportam o calor, pois a mim não me faz grande diferença.
Não podia estar mais de acordo contigo, não existe nada que pague o aconchego das nossas casas, e como eu gosto de vir da rua e sentir a casa quente, sabe mesmo muito bem.
Este teu pudim tão inglês está mesmo lindo, daquelas sugestões que apetece mesmo comer no conforto de casa.
beijinhos e bom domingo
que belo pudim!!!
Beijinhos,
http://sudelicia.blogspot.pt/
Olá Sandra,
Embora não goste de frio ainda o suporto na rua, em casa é que não há quem me convença :) Também suporto bem o calor. Há muita gente que argumenta que para o frio sempre nos podemos agasalhar mais, mas comigo não pega. Venha o calor :) Só não gosto do calor para dar aulas. Aí prefiro o tempo mais temperado.
Obrigada e obrigada pela visita.
Beijinho
Obrigada, Susana :)
Leonor querida,
A ostentação visivel em muitos locais do nosso país, mais do que a preocupação pelo conforto (que deveria ser uma prioridade) é gritante !
Tal como dizes e bem, o aconchego de uma casa mais pequena mas bem isolada que nos proporciona conforto e segurança é impagável !
Agora imagina eu sentadinha num pequeno e confortável sofá, à frente de uma lareira, com um bichano aos pés e o teu magnifico pudim num pratinho pronto a ser degustado... há lá coisa melhor ? E com custard...
Ah... desdiga-me quem tiver coragem ! ;)
Uma beijoca grande, linda !
Beijocas grandes, linda :)
É mesmo isso :) Olha, pudim já não há mas tenho cá uma sobremesa para o Dia Um, queres?
É tão bom o conforto, imagino-te muito bem. Não gosto de ostentação e se tiver de escolher entre o conforto e uma casa diferente, prefiro o primeiro.
Até já :)
Este é um post que me toca não só a nível gastronómico, mas também pessoal e profissional!
Gostei de o ler :) ...e gosto muito de Mies :) :) Entendo e concordo em grande parte, a "nossa" mentalidade segue uma linha por vezes tão torta... Estranhas prioridades, de facto!
Relativamente ao pudim, adorei o facto de ser de brioche, pois sou fã de Pudim de Pão. Óptima receita!
Bjinhos
Olá :)
Gosto muito de escrever estórias, porque a gastronomia ou a culinária nunca surgem separadamente :) O Mies é porque, não sendo eu arquitecta, há alguma arquitectura contemporânea que me causa incómodo pela austeridade e contenção e que me parece ser adoptada por algumas pessoas mais por moda do que propriamente por gosto. Manias minhas ;)
Foi a primeira vez que fiz pudim de pão mas não vai ser a última.
Beijinhos e obrigada pela visita
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